A verdade histórica é quase sempre perigosa quando não festeja o amor próprio dos povos. Os que vêm falar na epopeia do descobrimento e da colonização não aceitam sem reservas as referências feitas aos erros, vícios e abusos que, à luz do meio-dia ou às sombras do acaso, porventura afearam a beleza do quadro, embora desapareçam no esplendor e majestade do conjunto. Amigo de Portugal e admirador de seus feitos, nem por isto devo calar os motivos que nos levaram aos conceitos que acima perfilhamos. Por isto mesmo, neste lugar nos voltamos para o depoimento de velhos capitães e recentes escritores portugueses para quem Amicus Plauto sed magis amica veritas. Os depoimentos que aqui arrolamos não o tomamos nós a um escritor suspeito em seu patriotismo, sim a um dos maiores soldados de Portugal, o marechal Gomes da Costa, no livro Descobrimentos e Conquistas, oficialmente publicado. Procurando explicar a ruína em que caiu o Império das Índias, Gomes da Costa escreveu: — "Diogo do Canto acrescenta que os governadores da Índia não se preocupam com a administração; os funcionários só procuram enriquecer rapidamente; os soldados em se divertir e gozar; o merecimento individual não conta, só a proteção tem valor. — Dos vice-reis diz ele: — "que não parece cousa vergonhosa e de grande escândalo nem o que muitos vice-reis tiram daquele governo em três anos; que não é sabido nem entendido o número de dinheiro que embolsam..."
A influência da dominação espanhola fora fatal a Portugal. Ela arruinara seu comércio e apagara os vínculos morais que deviam prender à nação os seus mandatários. D. Francisco de Almeida, que se põe no mesmo plano de Afonso de Albuquerque, escrevia da Índia lembrando que pouco se obteria enquanto lhe mandassem oficiais de justiça e de fazenda que se fazem "tratantes mercadores". A violência, a cupidez, a ferocidade, o crime foram comuns neste período da conquista, e se projetaram, embora muito atenuados, sobre o Brasil. Se, porém, os fatos são estes, forçoso é assinalar que de par com esses homens viram as