época. Mal se afastavam da costa os desbravadores, recém-chegados, que precisavam alargar o campo de seu domínio e tomar o pulso à natureza, tinham pela frente a terra fechada de florestas, que opunha todos os obstáculos a seu desvirginamento. A descrição que faz desse interior brasileiro o padre Navarro, quando da primeira expedição que tomou o rumo dos sertões, em 1553, é bem uma fotografia do país, apenas os colonos se distanciavam do litoral: "Eram aqueles sertões ainda virgens, intratáveis a pés portugueses, dificultosíssimos de penetrar, sendo necessário abrir caminho à força de braços, atravessar inúmeras lagoas e rios, caminhar sempre a pé, pela maior parte sempre descalços; os montes fragosíssimos, que chegavam a impedir-lhes o dia. Entre estes trabalhos muitos desfaleciam, muitos perdiam a vida."

Evidentemente num meio como esse a vida não se podia desenvolver pacatamente, nem os homens serem animados de sentimentos de piedade que os povos contemporâneos, copartícipes da época em que vivemos, revelam, em certos lances, não possuir. De qualquer maneira, porém, essa colonização criou o Brasil, expressão geográfica e territorial de perto de nove milhões de quilômetros quadrados, resguardou-o de esfacelamentos e conquistas, manteve-lhe a unidade. Diante desta realidade impressionante, todas as falhas, omissões e excessos que se apontam neste volume ficam apenas como pontos necessários de referência para a explicação de determinados fenômenos da nossa formação econômica, política e social. Ante a majestade do conjunto, que é o Brasil, esfumam-se os defeitos de técnica e os erros de perspectiva da tela portentosa. E a obra de Portugal e dos portugueses se agiganta, apesar dos erros e fraquezas que apontamos, ao olhar dos brasileiros e diante da história, a qual não pode ser escrita com o estilo edulcorado das louvaminhas nem com a linguagem envenenada do ódio e das recriminações.

Grajaú, Rio, 1938.

Lemos Britto.