Feijó e a primeira metade do século XIX

mal ocultos pela barba e grisalha cabeleira, que lhe emprestavam a feição de múmia, dela sobressaindo um afilado nariz adunco a separar dois olhinhos encovados, cerrados por negras órbitas.

Uma barba em desalinho, longa e descuidada, refletia no seu emaranhado cinza um longo tempo que uma inclemente moléstia retinha no leito essa vida, que parecia se findar.

Era o padre Diogo Antonio Feijó que, vencido pela sua paralisia nos órgãos locomotores, chegava ao Calvário de sua via crucis, em que caminhava na estrada da vida carregando a sua pesada cruz, que era o labéu infamante de Filho espúrio, a qual levara consigo até o mais alto degrau do trono, pois com ela chegara a Regência do Império.

Filho de pais incógnitos, Feijó subiu graças às suas virtudes até as mais altas posições políticas, tendo recusado o canonicato da capela imperial e, depois, um gordo bispado.

Mas ele era de filhação incógnita para o mundo, ainda que ele bem soubesse ser filho do vigário Lima, de Cotia e de Maria Joaquina de Camargo, dos mais nobres quinhentistas, que em dois séculos de expansão vitoriosa se engrinaldaram com os louros do povoamento e do bandeirismo.

O amor às linhagens, o apego às hierarquias, o decidido pendor pelas aristocracias de altissonâncias e pela pureza de sangue cristão, eram apanágio de Feijó, que cultivava o seu espírito na forja da ciência oitocentista e que com paciência, quase divina, vivera a recolher reunidos os últimos resquícios dessa nobreza da bravura anônima e da abnegação estoica, que a demagogia dos Robespierre não houvera, então, arrasado ainda.

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