palavras dos viajantes que aqui tinham estado um século antes.
Essa desproporção cultural entre a elite e a população foi agravada nos seus efeitos políticos pelo excesso de erudição livresca, que as nossas tradições de formação intelectual causaram. Enraizou-se na nossa mínima classe culta o hábito de uma voracidade de leitura, que insensivelmente foi atrofiando a faculdade de pensar e sobretudo de observar. Os nossos intelectuais criaram para si um mundo fictício, em que conviviam com as figuras e com as ideias das grandes civilizações, perdendo pouco a pouco qualquer contato com a realidade ambiente. Assim, foram deixando de levar em conta nos seus planos de reforma e de progresso o fator capital, que era evidentemente a realidade brasileira. Em todos os grandes movimentos políticos da nossa história dos últimos cem anos verifica-se este fato de modo impressionante. Os liberais do primeiro reinado e da regência, os seus sucessores do período da mania de copiar o parlamentarismo inglês, as figuras de maior valor da campanha abolicionista e da propaganda republicana pensavam, falavam e escreviam como se, em vez de estarem nas praias da Guanabara, tivessem para cenário das suas atividades cívicas as margens do Sena, do Tâmisa ou do Hudson. Daí o enorme acúmulo de leis sem eficácia e as majestosas catedrais constitucionais em que se abriga um povo que não sabe ainda se aquilo é templo, café-concerto ou circo de cavalinhos.