fazerem-se e aplicá-los"(2) Nota do Autor. Da mesma maneira um frade Agostinho, missionário de longa experiência nas missões do Zambeze, observava, alguns anos antes, porque "não convém nesta Conquista que os seus naturaes vejão trabalhar Portugueses em officios mechanicos". Seria bastante fácil multiplicar as citações desse tipo. Entretanto, mais uma será suficiente. O Arcebispo da Bahia informava à Coroa, em 1702, que havia, então, em sua diocese, umas 90.000 almas, das quais a maioria era de negros escravos, "os brancos só servem de determinar aos escravos o que hão de fazer ou sejão seus senhores ou feitores dos seus senhores"(3) Nota do Autor. O Governador da Bahia, o conde de Pavolide, escreveu em 1771: "o trabalho em este país se faz todo com escravos, com um feitor mulato e poucas vêzes branco". A noção da dignidade do trabalho não tinha em parte alguma, naquela época, ampla divulgação, e isso assim continuou ainda por muito tempo. E menos do que em qualquer outro lugar poderia tal noção florescer nas possessões tropicais das potências europeias. Desde os mais recuados dias da colonização do Brasil, um escravo era, habitualmente, chamado "os pés e as mãos" do senhor - e da senhora - e todos, menos os brancos muitíssimo pobres, dependiam do trabalho escravo. "Excetuando-se as pessoas do mais baixo nível" - escreveu William Dampier, após estada de um mês na Bahia, em 1699 - "aqui dificilmente se encontra alguém que não tenha escravos na sua casa." Os que não estavam em condições de importar escravos negros, arranjavam-se com os ameríndios locais, particularmente nas regiões mais pobres e mais distantes, como São Paulo e Maranhão. Embora os ameríndios fossem úteis na caça com armadilhas, na caça comum, na pescaria, e, acima de tudo, como guias nas florestas desconhecidas, nos sertões, seu ambiente original e sua mentalidade, correspondentes à Idade da Pedra, tornavam-nos inadequados para o trabalho servil e sedentário nas colônias brancas semeadas ao longo do litoral. Fosse como trabalhadores nas lavouras ou nas usinas de açúcar, fosse como carpinteiros navais, marceneiros, sapateiros-remendões, pedreiros, e outros trabalhos "mecânicos", os trabalhadores negros, escravos, tinham-se tornado inteiramente indispensáveis, pelo fim do século XVI.