Novas páginas de História do Brasil

bom senso. Poderia talvez dar-se um passo mais, com a lanterna bem acesa, em busca de um historiador tão abstratamente desinteressado que não deixe transparecer nas entrelinhas a apologia de fatos e ideias - religiosas, antirreligiosas, agnósticas ou indiferentes - segundo a sua própria ideologia. É humano.

Mas, dito isto e passando já do geral ao concreto, verá o leitor por si mesmo que estas "páginas" não se redigiram só por motivos de história religiosa e que o critério, com que se tratam os assuntos, restringe ou amplia o seu alcance. Exemplo? Entre todos os deste livro, o mais religioso na aparência é o "Movimento eucarístico brasileiro no tempo de Nóbrega". Se o assunto se tratasse unicamente como tema pio ou ascético, o processo seria legítimo, é claro, mas enquadrar-se-ia apenas dentro da história religiosa na sua limitação específica. O tratamento histórico-documental, que se lhe deu, supera o plano da experiência religiosa ou coletiva e desvenda aspectos relevantes para a história social do Brasil na transposição, quase maciça, de usos e costumes de Portugal para a selva brasileira (tudo então era selva). Dizem-no com clareza os documentos e já com certa pontinha de emulação construtiva (em Portugal "se poderia fazer tão bem, e melhor não"...). Nem faltam documentos que acentuam o contraste entre as festas antropofágicas dos índios e as festas cristãs dos jubileus, em que, com os portugueses, já começavam a participar os índios e os mestiços. Dir-se-ia que nas cartas jesuíticas do século XVI pairava implícito o pensamento diferenciador de civilizações nos dois tipos de sacrifício religioso: a monstruosa comunhão cruenta do sacrifício humano (homens matando e comendo homens) e a comunhão mística no sacrifício incruento da Eucaristia. E infere-se, de tão violento contraste, a passagem de um estágio inferior de civilização a outro superior. Elementos que podem não aparecer visíveis no enunciado da matéria, contudo são a substância mesma de fatos que se vinculam à história geral da formação do Brasil.

S. L.

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