Sobrados e mucambos

Mas ao lado de procuradores do tipo e das tendências exclusivistas de Guedes Aranha, foram aparecendo, desde os princípios do século XVII, teóricos da acomodação entre as raças. Estas não estariam destinadas tão rigidamente por Deus - uma a dominar, as outras a servir. Um desses teóricos foi o Padre Antônio Vieira - ele próprio neto de preta. Diante da invasão da colônia por um povo mais branco que o português - os holandeses - pergunta um dia o grande orador se "não éramos tão pretos em respeito deles como os índios em respeito de nós?" Se podia "haver maior inconsideração do entendimento nem maior erro de juízo entre homens, que cuidar eu que hei de ser vosso senhor porque nasci mais longe do sol, e que vós haveis de ser meu escravo, porque nascestes mais perto?"

Era a dúvida em torno do próprio fundamento da escravidão nos trópicos: a inferioridade das raças de cor. As duas tendências continuariam a ter seus apologistas francos, através do século XVIII e do XIX. Uns, certos da necessidade de continuarem as raças de cor - pelo menos a negra - subordinadas à branca, que seria a raça superior; outros defendendo, como Arruda Câmara, a livre incorporação dos negros e mulatos à sociedade brasileira, sua ascenção às responsabilidades políticas e intelectuais.

Em 1834, o Dr. Henrique Feliz de Dacia, não sabemos se negro ou mulato, mas "Bacharel e advogado público" muito orgulhoso do seu título e até de sua cor, aparece n'O Censor Brasileiro, insurgindo-se contra o preconceito de se reservarem "as ciências e os cargos" para os brancos: "querem que um pobre homem de cor não passe de um simples artista"; "querem antes dar-lhe uma esmola do que franquear-lhe aquelas condecorações, e lucros, que por direito lhe pertencem: eu não tenho descansado; hei de ser sempre vítima desses soberbos, porém, jamais serei humilde com eles..." Era a voz

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