Sobrados e mucambos

começaram a desenvolver-se entre o rico e o pobre, entre o branco e a gente de cor, entre a casa-grande e a casa pequena. Maiores antagonismos entre dominadores e dominados. Entre meninos criados em casa e moleques criados na rua (sem a velha zona de confraternização entre as ditas meninices que fora a bagaceira nos engenhos). Entre a dona de casa e a mulher da rua. Entre a gente dos sobrados e a gente dos mocambos. Maior desajustamento econômico entre os dois extremos, as casas-grandes com cacimba no fundo do sítio chegando a vender água à gente das casas mais pobres como "a grande casa de pedra e cal, estribaria, bastantes cafeeiros que dão anual dez a 12 arrobas, algum arvoredo de fundo" que aparece num anúncio de jornal de 13 de abril de 1835.

Só aos poucos é que se definem não tanto zonas como momentos de confraternização entre aqueles extremos sociais: a procissão, a festa de igreja, o entrudo, o carnaval. Porque os jardins, os passeios chamados públicos, as praças sombreadas de gameleiras, por muito tempo se limitaram ao uso e gozo da gente de botina, de cartola, de gravata, de chapéu de sol - insígnias de classe e ao mesmo tempo de raça, mas principalmente de classe, no Brasil do século XIX e até dos princípios do século atual. Ao uso e gozo do homem de certa situação social - mas do homem, só do homem, a mulher e o menino conservando-se dentro de casa, ou no fundo do sítio, quando muito na varanda, no postigo, no palanque do muro. Porque o menino que viesse empinar seu papagaio ou jogar seu pião no meio da rua virava moleque. A dona de casa que saísse rua afora para fazer compras corria o risco de ser tomada por mulher pública. Mme. Durocher - um virago, uma mulher-homem, vestindo-se de sobrecasaca, calçando-se com botinas de homem - foi uma das primeiras mulheres a andarem a pé pelas ruas do Rio de Janeiro.

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