Machado de Assis, o homem e a obra – Os personagens explicam o autor

em seu temperamento não guarda as relações necessárias de causa a efeito. Diante da tragédia, por exemplo, a atitude inevitável é a comoção ansiosa. Às vezes, a estupefação. É a regra.

Com a humorista não se pode passar assim. É o caso daquela pobre criatura, descrita por Machado de Assis, no Braz Cubas, e que se lamentava por ver a sua casa incendiada. Um homem passa, um ébrio. Pergunta-lhe se a casa a queimar-se lhe pertence. Obtendo resposta afirmativa, então, com a maior naturalidade, abstraindo da emoção do fato, pede-lhe:

- Dá-me licença de acender o meu charuto?

E logo vem o autor, e intensifica ainda mais a atitude humorística, dizendo que não é necessário pedir licença para acender o charuto nas desgraças alheias. Aí, nesse episódio, todos os elementos humanos de piedade e comunhão no sofrimento desapareceram. Mas se o humorismo é mostra de impassibilidade, será o humorista insensível? Creio que não. Tem até sensibilidade aguda, mas acontece que a disfarça, poupa-a, não vale a pena virtualizá-la. As ideias, os pensamentos que lhe são acordados pela emoção, ele os filtra pela inteligência, sofreia-os. Não diz o que sente, pensa o que não sente.

O humorista não é suscetível de inocência, porque a sua compreensão é de natureza psicológica. Ele sabe, em síntese, que o homem não passa de agitação vã, um joguete sem destino em meio das paixões, e ao cabo, não tem culpa nem de suas virtudes, nem de seus defeitos. Não aplaude aquelas, nem aponta estes. O espetáculo do semelhante, dentro da vida, é que o diverte, e o seu divertimento é indicar-lhe a vacuidade e o ridículo. Quer o homem ser santo? Um humorista-ironista, Anatole France, dá-nos a conhecer a luta íntima de Paphnuce, presa, por fim, da luxúria invencível, mesmo no deserto, que a sua mente povoa de visões.

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