Machado de Assis, o homem e a obra – Os personagens explicam o autor

Em seu conto Viver, Machado expõe, sob tal critério, o problema da vida. Aliás, através de toda a sua obra, exceção talvez dos três primeiros romances - Ressureição, A mão e a luva, e Helena - este é o leitmotiv que lhe informa o pensamento. O mito de Prometeu representa para ele o símbolo da existência, e esta é suplício que só terminará com o homem. A teoria não é desenvolvida pelo apostolado, porque o humorista não doutrina, mas pela observação, travada de ironia e amargura. O humorista observa de maneira joco-séria. Para dizer que a vida é a luta, Machado pergunta simplesmente: - que é a vida, senão uma troca de cachações?

Entretanto, cumpre objetar que, se é avesso á doutrinação no fito de edificar ou de alevantar moralmente o homem, alguma vez, como se nota em Machado, o humorista tem um prazer minucioso em mostrar-se lógico e argumentativo. É quando se trata de destruir, de indicar o lado revesso das coisas, de apontar o vazio das virtudes. Aqui está, entre muitos, um exemplo colhido no autor de Braz Cubas. É tirado de um dos contos de Histórias sem data: "A venalidade, disse o Diabo, era o exercício de um direito superior a todos os direitos. Se tu podes vender a tua casa, o teu boi, o teu sapato, o teu chapéu, coisas que são tuas por uma razão jurídica e legal, mas que, em todo caso, estão fora de ti, como é que não podes vender a tua opinião, o teu voto, a tua palavra, a tua fé, coisas que são mais do que tuas, porque são a tua própria consciência, isto é, tu mesmo? Negá-lo é cair no absurdo e no contraditório. Pois não há mulheres que vendem os cabelos? não pode um homem vender uma parte de seu sangue para transfundi-lo a outro homem anêmico? e o sangue e os cabêlos, partes físicas, terão um privilegio que se nega ao caráter, á porção moral do homem?"

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