poder. O indivíduo que carece dessa força egoística não se interessa, não se pode interessar pelos tumultos da política.
Em resumo: Machado permaneceu alheio a tudo isso pela fatalidade do temperamento. E temperamento não se disfarça. O certo é que, tal como outros foram patriotas pelo abolicionismo, e é o caso de Joaquim Nabuco, e ainda alguns pelo republicanismo, como Benjamin Constant, Machado de Assis foi patriota pelo amor das letras. Foi patriota pelo heroísmo longo e silencioso da devoção à arte. Também como aqueles engrandeceu o Brasil com a ação e o pensamento.
Vale esclarecer que em livros, uma ou outra vez, algumas vezes, versou com sábia advertência ou sensata ponderação o assunto e o problema político, sem se pronunciar partidariamente. O faciosismo repugnava-lhe à liberdade de análise e julgamento. Era muito humano para poder comprimir-se nos limites do espírito de seita.
Quem emitiu, sobre este ponto, opinião certa foi Pedro Lessa. É exato que caiu no exagero contrário, contrário aos que apoucam Machado de Assis como criatura indiferente às cousas e problemas da época. Mas, em todo caso, defendeu ponto de vista que me parece justo. Para apurar o indiferentismo do escritor quanto aos sentimentos do tempo, devemos examinar a questão em sua obra. E aí se encontram alguns documentos que contradizem, expressivamente, o que se argui contra ele de modo peremptório. Eis a defesa de Pedro Lessa, com as próprias palavras dele: "...as formas superiores, pelas quais Machado podia revelar as suas ideias filosóficas acerca da abolição e da república, essas ele não omitiu, não esqueceu. Os dois principais defeitos da escravidão, de que todos os mais são corolários, o sofrimento injusto do escravo e a dureza de sentimentos do senhor, cujo caráter tanto se perverte