Machado de Assis, o homem e a obra – Os personagens explicam o autor

pelo empedernimento da sensibilidade moral, como o do escravo pela contínua humilhação, que gera a dissimulação, a astúcia, o ódio e a vingança, esses efeitos da escravidão, que os filósofos e os moralistas demonstram em longas dissertações, o nosso grande romancista evidencia em breves contos, os mais expressivos e emocionantes." Em seguida, cita e resume o conto – "Pai contra mãe" - historieta que em verdade esclarece o drama doloroso da escravidão, com todos os aparelhos impressionantes e aspectos imorais mais desumanos. Aponta, depois, certa passagem do Braz Cubas, em que este, em pequeno, cavalgava e chicoteava o moleque Prudêncio. Mais tarde, Prudêncio, conseguida a alforria, compra por sua vez um escravo e repete contra este a atitude má de Braz Cubas. Dava-lhe surras tremendas:

- Toma, diabo...

- Perdão, meu senhor, perdão! suplicava o escravo ao ex-escravo.

- Toma, diabo! Toma mais perdão, bêbedo.

- Meu senhor! gemia o outro.

- Cala a boca, besta! replicava o dono.

Pedro Lessa, comentando tais passagens, sentencia: "... aí está em algumas linhas uma apologia da liberdade civil mais convincente para certa ordem de espíritos do que os berros e os gestos descompassados de algumas centenas de tribunos no largo de S. Francisco de Paula ou nas proximidades do Bangú."

Há, porém, algum exagero, como disse, na opinião de Lessa. Não se pode menosprezar, de todo em todo, a obra da palavra oral na propaganda e vitória do Abolicionismo. A obra de arte, perpetuando mais duradouramente o horror das cenas, leva mais tempo a converter os espíritos. Ao passo que a palavra é ação, move homens, move massas, abala os mesmos governos. O orador a serviço de causa grande é espetáculo empolgante.

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