JOSÉ HONÓRIO RODRIGUES E A HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA
A trombose cerebral sofrida por José Honório Rodrigues aos 22 de maio de 1986 deixou-o hemiplégico e com a fala prejudicada. Seguiu-se um tempo "de sofrimento, paciência e amor à vida", nas suas próprias palavras escritas a Fábio Lucas, então Diretor do Instituto Nacional do Livro.
Pouco antes ele havia separado e enfileirado no chão, ao seu alcance, como era seu costume, os livros para começar a composição do 39 volumes da História da História do Brasil, Historiografia liberal.
Depois do derrame, sem condições de trabalhar, ainda assim pedia para ser levado na cadeira de rodas à sua biblioteca; olhava de longe e com carinho os livros, que esperava utilizar no futuro. Determinava, então, se queria ir para o quarto, a sala ou a varanda, onde tomava sol pela manhã e, à tarde, ficava horas olhando o mar.
Quando vieram as provas do tomo 1, Historiografia conservadora, conseguiu resolver a maioria das dúvidas levantadas pelo revisor da editora. Uma delas dizia respeito à data da publicação da "Biobibliografia do Visconde de Cairu", por Vale Cabral. Certeiramente mandou tirar da última fila superior de uma das estantes um livro de lombada verde. Colada do lado de fora estava uma folha branca com este título impresso: Arquivo Nacional. Abri-o: não tinha índice. Então eu disse: "Não é este". Ele replicou: "É sim. Traz aqui que eu mostro". Folheou o volume e, lá pelo meio, misturado com outros trabalhos avulsos, estava o ensaio de Vale Cabral. Não podia haver dúvida: sua memória estava perfeita. Indicara, num acervo de quase 27 mil peças, aquele folheto, que nem sequer possuía encadernação separada.
As provas do tomo 2 chegaram mais tarde, na época em que ele estava hospitalizado pela segunda vez, malíssimo. Quando lhe disse que as recebera e iniciara a revisão, advertiu-me: "Mesmo que você a termine, não devolva o texto antes que eu volte para casa. Quero ver o volume".