árida às vezes, às vezes cheia de inefável encanto: investigar na poeira do nosso passado os germens das nossas ideias atuais, os primeiros albores da nossa psique nacional. O passado vive em nós, latente, obscuro, nas células do nosso subconsciente. Ele é que nos dirige ainda hoje com sua influência invisível, mas inevitável e fatal".
Viana acha claro que, embora nossa história seja muito curta, os reflexos históricos dos períodos iniciais ainda se fazem sentir muito vivamente no nosso povo, em sua organização social e mentalidade coletiva. Esse passado, tão novo ainda, é para nós do mais alto interesse. Afirma, então, que nós nos extremamos e singularizamos como povo entre todas as nações da terra e define como vê a ciência histórica e seus métodos. Acha que para "a perfeita compreensão do passado a investigação arma hoje os estudiosos com um sistema de métodos e uma variedade de instrumentos que lhes dão meios para dele fazerem uma reconstituição, tanto quanto possível, rigorosa e exata".
Todo o trecho que, adiante, vamos reproduzir para comentar, é o texto básico de sua metodologia, que serviu para todos os seus livros de interpretação histórica, social e antropológica do Brasil. Pouco escreveu sobre a economia brasileira: seus livros pairam no alto, na elite, nas classes aristocráticas e nobres que formaram a minoria dirigente, nos tipos antropológicos do alto, do meio e do baixo povo, seus cotumes, seus hábitos, sua sociedade, enfim e, sobretudo, o comportamento político da elite mais que do povo - este sempre para reprová-lo, amesquinhá-lo, depreciá-lo. Por tudo isso, esse texto é importante e merece reflexão para a compreensão de toda a sua obra. Os acréscimos metodológicos são mínimos e ele escreveu durante 30 anos (1920-1951), sempre sob a mesma inspiração que nesse primeiro livro aparece. Vejamos:
"No estado atual da ciência histórica, o texto dos documentos não basta só por si para fazer reviver uma época, ou compreender a evolução particular de um agregado humano." É estranho que ele fale no estado atual da ciência histórica, cujo estado de então ou anterior ele desconhecia, pois uma única vez citou Ranke e Mommsen. Além disso, seus inspiradores diretos, como veremos adiante, nada têm a ver com a historiografia ocidental e são sociólogos, antropogeógrafos e antropólogos, todos de modesta qualificação científica, reconhecida pelos seus pares e alguns negados peremptoriamente como verdadeiros cultores dessas disciplinas, antes como desviados da tradição disciplinar antiga e corrente.
"É preciso que várias ciências auxiliares da exegese histórica completem com os seus dados as insuficiências e obscuridades dos textos documentários, ou expliquem pelo mecanismo das suas leis poderosas aquilo que estes não podem fixar nas suas páginas mortas.
"O culto do documento escrito, o fetichismo literatista é hoje corrigido nos seus inconvenientes e nas suas insuficiências pelas contribuições que à filosofia da história trazem as ciências da natureza e as ciências da sociedade."