Do Brasil filipino ao Brasil de 1640

cristianiza-se o gentio, descobrem-se novas riquezas e defende-se a terra com heroísmo para que ela permaneça fiel à Coroa dos Filipes.

Bem ao contrário do que a tradição procurou manter, o governo filipino não teve papel ruinoso no que respeita à defesa do Brasil português. A chama de patriotismo que, a partir de 1640, levou os portugueses a lançar o descrédito sobre o domínio estranho tem melhor cabimento no caso da Metrópole. Aqui, vivendo paredes-meias com os antigos ocupantes do solo, o homem português da Restauração marcava um ato de fé nos destinos da pátria ao negar o poder legítimo dos Filipes e ao defender o calamitoso governo a que estes, devido a uma pura usurpação, tinham submetido o velho Portugal. Esse sentimento radicava nas lembranças de uma ocupação política que se traduzira em "desaventura" e ofensa aos brios da Nação.

Mas o quadro histórico não oferece idêntica perspectiva, quando encara o nosso Ultramar. As leis e as nomeações vinham da Corte, na longínqua Europa, e eram aplicadas por funcionários que exerciam legalmente os seus cargos e cuja autoridade não era discutida. Nas partes ultramarinas, o apego do homem português à pátria distante era mais "político" do que "afetivo"; e ainda que a muitos homens de 1580, vivendo no Brasil, pudesse magoar a certeza de que a dinastia espanhola tomara conta do Trono, sentiam decerto não poder evitar o curso da História e não aplicavam ao Brasil uma forma de resistência que apenas na Metrópole tinha o devido cabimento. Não se tratava sequer de uma atitude de puro conformismo. Esses homens, fixados na terra do Brasil havia longo ou curto tempo, não sentiam a obrigação de se opor aos novos governantes, e muitos deles eram mesmo partidários de uma forma de unidade política que salvara a Coroa e garantira a manutenção dos seus interesses pessoais.

Tudo isso justifica que, a parte uma ou outra reação isolada, o Brasil de 1580 tenha aceito sem reservas — mas, de igual modo, sem demasiado calor — a notícia da conquista de Portugal por Filipe II. Os quadros mentais do português do Brasil eram banhados por um outro horizonte político e geográfico. A "triste sorte" de Portugal reduzia-se, para eles, à ocupação da Metrópole, enquanto no longínquo Ultramar os portugueses ali radicados continuavam a mourejar no amanho das terras e no

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