Uma comunidade rural do Brasil antigo. Aspectos da vida patriarcal no sertão da Bahia nos séculos XVIII e XIX

a escravos, papéis contendo a descrição de limites ou "estremas" de algumas propriedades rurais, certificados de aquisição de ações de estrada de ferro, recibos, cartas e outros documentos concernentes a negócios de pecuária, de algodão e de outras diversas transações comerciais, letras de câmbio, recibos de pagamento de impostos, recibos de assinatura de jornais, cópias e originais de papéis forenses, incluindo os relativos a processos judiciais originados de uma luta entre famílias, cartas, bilhetes e documentos outros referentes à mesma luta de morte travada entre Mouras e Canguçus, papéis e cartas de natureza política e social, cópias de receitas para preparação de doces e vinhos, cópias de receitas médicas, fotografias.

Depois do falecimento, em 1900, de Exupério Pinheiro Canguçu, o último senhor do "Brejo", por alguns poucos anos manteve-se intacto o arquivo, em poder de três filhas do velho Exupério, moradoras no Sobrado. Envelhecendo estas, procederam os sobrinhos à paulatina repartição dos documentos e papéis. Cada um carregou o que lhe apeteceu, ou interessou. Depois dos parentes, foram os amigos da família. E assim, aos poucos, dispersou-se aquele vasto manancial de ricos elementos informativos do passado. Além dos descendentes e de seus amigos, numerosas outras pessoas residentes na Bahia e em outros Estados, colecionadoras ou apenas interessadas por determinado motivo, tornaram-se herdeiras do arquivo do "Sobrado do Brejo". Cartas de políticos e titulares baianos foram ter às mãos de filhos ou netos dos missivistas. Cartas de Rui Barbosa passaram à propriedade de discípulos do eminente jurisconsulto. E o sociólogo Gilberto Freyre foi aquinhoado com "parte considerável do arquivo" dos "senhores do sobrado do Brejo, com interessante correspondência ilustrativa do papel desempenhado pelo compadrio e pela política de partido na convivência patriarcal em nosso país", segundo informou no prefácio à segunda edição de Sobrados e Mucambos.

Dois netos de Exupério Canguçu puderam conservar, no Estado de São Paulo, a porção mais valiosa, a meu ver, do opulento arquivo. Quando em 1922 visitou as tias, no "Sobrado do Brejo", o Dr. Oscar Gutierrez Canguçu delas recebeu os livros manuscritos - velhos livros de duzentos anos - onde os três primeiros senhores do "Campo Seco" e do "Brejo do Campo Seco" assentaram negócios de pecuária e lavoura, transações comerciais de todos os tipos e anotações particulares de interesse pessoal, familiar e político-social. Sob os pontos de vista histórico e econômico-social são esses livros as peças mais importantes do arquivo. E peças raras, pois bem poucas famílias, neste país pobre de documentos, souberam e puderam engendrar, e o que é melhor, conservar tais preciosidades históricas. "Somos pobres em documentos escritos - escreveu algures o crítico Nelson Werneck Sodré e os nossos arquivos, já não muito ricos, padeceram sempre da

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