1. O topo da pirâmide: a classe e o estamento
Meio século, os últimos cinquenta anos do século passado, se estende, em colorida tela, numa vasta obra poética. Período que não se singulariza no tempo de modo fechado, autônomo, senão que se prolonga nas consequências de ideologias e imagens latentes, por sua vez alimentado por meio de raízes longínquas. Discernir o perfil da hora transeunte nos caracteres, desvendar, atrás do papel teatral, as funções sociais e espirituais - este o caminho tentado, para reconquistar, no Machado de Assis impresso, não o homem e a época, mas o homem e a época que se criaram na tinta e não na vida real. Sedutora a tarefa, pela riqueza do material e, sobretudo, pela especial confluência de duas épocas, que projeta, no ponto de vista da encruzilhada, o encontro de dois mundos, o mundo que se despede e o mundo que chega. Os valores de um não são os valores de outro, as regras de conduta se partem, vazias para quem olha para trás, indefinidas, incertas, vagas para quem sente a hora que soa, sem compreendê-la plenamente, incapaz de amá-la, toldado pela melancolia. Os padrões típicos não medem os sentimentos emergentes, confundindo o intérprete, perplexo entre a medida, que supunha eterna, e as ações, que clamam por outro modelo, ainda não fixado. O inexplicado se torna inexplicável ao metro que só marca os sinais convencionais: as personagens se revoltam contra o autor. O autor não se mantém passivo ante o desafio, que reagrupa, no arsenal esgotado, as últimas armas enferrujadas para disciplinar a horda enérgica e anárquica. Perdido na mudança, no fogo cruzado de concepções divergentes do mundo, sem conseguir armar a teia da sociedade e identificar-lhe os fios, o autor estiliza os fatos e os homens, na armadura de um esquema da própria transição. O prestígio das personagens antigas já não convence o espectador, enquanto os recém-vindos ainda sofrem a mácula