Esse mundo, Machado de Assis o descreve à meia-luz, sem claridade, às apalpadelas, furtivamente. A camada semioculta faz deputados, dá a nota à sociedade e dispõe do poder político. Ligada, muitas vezes, a uma situação de classe, dela independe, se conceitualmente isolado, no seu prestígio e estilo de vida. É a sociedade dos titulares, mas sobretudo do mecanismo além dos titulares, onde eles nascem e crescem.
Machado, preso aos preconceitos de moralista, ainda alheio à formação de historiador do século XIX, concebeu as estruturas sociais como se movidas por sentimentos e paixões individuais. No jogo das forças sociais, o concurso das circunstâncias exteriores tem inegável peso, mas o que decide é a fibra do homem, rompendo caminhos à custa de sua ambição. Um Cromwell ou um Bonaparte chegam ao poder, porque têm que chegar, "por isso que os queima a paixão do poder" (I, 536). Com menores meios, com a mesma determinação, era o passo de Capitu, cujas ideias "na prática faziam-se hábeis, sinuosas, surdas, e alcançavam o fim proposto, não de salto, mas aos saltinhos" (I, 749). O topo da pirâmide, animado de tais componentes, não seria uma camada social de feição global. Dissolvia-se num escol enérgico, um grupo que sabia querer, inimigo da veleidade, "figura vaga e transparente, trajada de névoas, toucada de reflexos, sem contornos definidos, porque morriam todos no ar" (II, 320).
O sistema torna-se uma função da elite, tal como em outro moralista, Maquiavel,(3) Nota do Autor elite, acentua-se, dentro do estamento. A política e, em sentido lato, a luta social, sobretudo a luta pela ascensão social, desdobra-se num feixe de meios necessários para alcançar e manter o poder. Os instrumentos se afeiçoam à ambição individual, que marcará o ritmo da escalada, ritmo frouxo ou ritmo impetuoso, de acordo com a feição do homem. O essencial, nesse combate, é "a força indispensável a todo o homem que põe a mira acima do estado em que nasceu" (I, 118, 119). No outro lado vegeta a imensa legião dos Rangéis: "O pior é que entre a espiga e a mão, há o tal muro do poeta, e o Rangel não era homem de saltar muros. De imaginação fazia tudo, raptava mulheres e destruía cidades. Mais de uma vez foi, consigo mesmo, ministro de Estado, e