Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio

fartou-se de cortesias e decretos... Cá fora, porém, todas as suas proezas eram fábulas. Na realidade, era pacato e discreto" (II, 520). A ambição, enérgica, viril, obstinada, leva às montanhas, tanto pela escada da direita, como pela escada da esquerda. Não há, para embargar-lhe o passo, o bem e o mal; seu ofício é apenas subir e se manter nas alturas.

Se o bem e o mal não têm voz na partida, há, no alto, a falsa e a verdadeira grandeza. Há a integração na camada superior, com o cunho de autenticidade, amoldado o homem aos valores que o absorvem. Tudo acontece quietamente, como se nada houvesse de estranho ou anormal, em obediência ao velho costume e aos usos consagrados. A elite circula, fechando os claros em suas fileiras, para continuar o domínio. Brás Cubas e Lobo Neves (Memórias póstumas) sentam na Câmara dos Deputados sem escândalo, e sem escândalo seriam ministros. Ambiciosos ambos, embora sem a ambição que queima e ilumina, pagaram seu tributo às regras convencionais. São filhos da verdadeira grandeza. Rondando-a, há, porém a falsa grandeza, armada de truques, forrada de empulhações. A teoria nomadista, de onde se gera o medalhão, é seu caldo de cultura, formando um substituto da elite, à margem do genuíno e autêntico escalão tradicionalmente dominante. A teoria da elite exaspera-se em suas linhas, confundindo-se com a sua sombra, macaqueando-se a si própria.

2 - Sociedade não rígida. A "boa sociedade" e suas glórias. A hierarquia. A ascensão pela cunhagem e pelo enriquecimento. A censura da sociedade tradicional.

Longe da concepção machadiana da sociedade o imobilismo, a estratificação rígida. O xadrez serve mal à comparação da vida: quem nasce peão não tem que ficar peão, quem nasce bispo não está proibido de cingir a espada (I, 894 e III, 509). As posições não têm dono, há os que sobem e os que descem; há a luta para subir e crescer numa sociedade estilizada, mas fluida em sua contextura, a aberta às ascensões e às escaladas. O único lugar intangível é o de imperador; só o delírio permitia ocupá-lo sob o incitamento da febre, no extremo do ridículo. Rubião, depois que o seu espírito começou a pairar sobre o abismo, imaginou-se marquês, marquês de Barbacena (I, 627, 628). Em respeito ao imperador dos brasileiros, atribuiu-se o título de imperador dos franceses, vivendo os infortúnios

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