PREFÁCIO
"Domingo, 6 do corrente, reunindo-se o corpo da Guarda Nacional para a revista, apenas apareceram os caixeiros de meu amigo (e preciso dizer que tanto o meu amigo como os seus caixeiros são brasileiros, o que é um pecado mortal na cartilha dessa gente) e logo os Guardas Nacionais descarregaram sobre eles uma descompostura em sotaque português, chamando-os anarquistas, farroupilhas, rusguentos, etc." À denúncia, assinada por "Um Caiapó, amigo do ofendido", e impressa no n.° de 12 de novembro de 1831 da Astréa, a gazeta de João Clemente Vieira Souto que ajudou a Aurora Fluminense de Evaristo da Veiga a formar o pensamento liberal brasileiro vitorioso no 7 de abril e predominante durante boa parte da Regência, segue-se uma crítica acerba às cabalas nas eleições da Guarda Nacional que tenderiam a excluir das posições de mando e responsabilidade os naturais do Brasil em proveito dos naturais do Reino europeu.
Queixas como essa, que aparecem com frequência nos jornais da época, podem refletir, até em seus possíveis exageros, o clima de desconfianças e animosidades mútuas que separam, naqueles dias turbulentos, filhos da antiga colônia de filhos da antiga metrópole. Afinal não deviam parecer muito distantes, passados oito meses desde a queda do Primeiro Reinado, espetáculos como aquele em que comerciantes portugueses do Rio haviam dado folga a empregados ansiosos por manifestar sua afeição ao monarca no primeiro dia em que este devia deixar o paço de São Cristóvão depois das "garrafadas": com efeito, a 17 de março, uma quinta-feira, foi visto D. Pedro sair da Quinta da Boa Vista precedido de algumas centenas de indivíduos "de baixa condição", escreve Armitage, calçados muitos deles de tamancos. Alguns - por debique? - não punham dúvida em exibir as folhas verdes e amarelas e cobrir-se com chapéus de palha de taquaruçu, distintivos que em otras ocasiões tanto irritavam os pés de chumbo mais animosos.