entorpecido pelos costumes, deformado pelas instituições, mas - como ele próprio dizia, insubmisso - do "homem livre, colocado na livre natureza, entre as livres paixões", soube perceber seu papel de escritor, carreando para os romances um vasto documentário de realidade e ironia, em face de cujas evidências se poderão recompor, no futuro, os elos mais sensíveis de uma fase da história humana, sem o esquematismo das concepções dos fatos e dos fenômenos da vida, mas como a expressão do que existiu de mais essencial e típico numa sociedade em desenvolvimento.
"O que queremos nós com o Realismo?" - perguntou-se, já cônsul, em New Castle. "Fazer o quadro do mundo moderno, nas feições em que êle é mau, por persistir em se educar segundo o passado; quereMos fazer a fotografia, ia quase dizer a caricatura, do velho mundo burguês, sentimental, devoto, católico, explorador, aristocrático, etc.; e apontando-o ao escárneo, à gargalhada, ao desprêzo do mundo moderno e democrático - preparar a sua ruína. Uma arte que tem esse fim - ajuntou não é uma arte à Feuillet ou à Sandeau. É um auxiliar poderoso da ciência, revolucionando".
Dentro desse plano de visão, que ultrapassava os clássicos limites do realismo crítico, a obra de Eça de Queiroz representa uma das melhores tradições progressistas do século XIX, na veemência de suas denúncias, na profunda individualização de seus personagens, através dos quais revelou o artista as próprias ideias e sentimentos.
Desenvolvendo-se sob a influência da vida social, sua arte não hesitou, um instante, em perseguir os desígnios a que se propusera, de soerguer, pelo contraste das reações, os velhos hábitos da terra lusitana, fazendo ressurgir dos escombros da "piolheira" o merecido renome, por que a Nação e o povo ansiavam.
Da Comédia Humana, de Balzac, sempre foi costume dizer-se que valera mais, como subsídio da vida francesa