religioso, algumas vezes de maneira comovente. O sentimento religioso dos paulistanos, porém, não implicava na renúncia dos seus direitos temporais, daí surgindo os numerosos desentendimentos entre os povoadores e os sacerdotes. A história ficou cheia dessas brigas, brigas que atravessaram os quatro séculos da crônica paulistana. Sentimento religioso, sentimento de piedade, de fraternidade, que se confundiam muitas vezes numa mesma pessoa, conforme se observa pela leitura dos inúmeros inventários e testamentos que nos ficaram dos séculos XVI e XVII. Assim se verá Maria Batista, em 1639, dispor em seu testamento que "a mim me prometteu Manuel Esteves de esmola um vestido de mulher inteiro e acabado se o der de-se de esmola á mais pobre mulher que houver"(5) Nota do Autor. Nessa linguagem estropiada do escrivão, quanta beleza e certeza das vaidades do mundo. Que lhe adiantava a Maria Batista, depois de morta, o vestido prometido por Manuel Esteves? Comovente, por isso, que "se o der", que fosse dado à mulher mais pobre da vila, que deveria andar quase seminua nos anos difíceis de São Paulo do século XVII.
O sentimento de gratidão andava muitas vezes a par com o sentimento religioso. No testamento de Pedro Martins, o velho, lê-se este trecho definitivo: "declaro que tenho uma data de terra de meia legua nos limites de Ibitoratim até o Juqueri a qual deixo a minhas netas Maria M.ratt... (ilegível) e Luzia de Avila por boas obras que me fizeram e dinheiro que comigo gastaram em minha doença o qual ganhavam por suas agulhas"(6) Nota do Autor. Lá apareceria também, dentro desse espírito, um Francisco Cubas Preto que, em seu testamento de 1672, mandava "se me digam mais vinte missas pelas almas dos defuntos do gentio da terra que em meu serviço morreram"(7)Nota do Autor, exemplo este aliás raríssimo no que dizia respeito ao natural da terra que, relativamente, nem um ser humano era considerado.
O espírito religioso da cidade se destacou sempre em sua agitada história, tornado incisivo através de suas numerosas