mais do que outro qualquer, defrontou a sanha dos alarves, empolgando o corpo da vítima para a sepultura cristã. Movidas pela sua eloquência, as próprias velhas, sanguissedentas, abandonaram o cadáver, que em postas de carne violácea começavam a repartir.
Casavam-se espontaneamente ao fervor de Aspilcueta a imaginação e a astúcia. Na catequese do gentio, ampliada por essa inventiva, os contemporâneos viam mais um troféu da sua linhagem(179) Nota do Autor. Ousada e fecunda, a inteligência apostólica do padre renova os ardis contra o inimigo. Se a barbaria lhe proíbe, ameaçadora, o batismo da presa humana, ele consegue batizá-la secretamente, no horror da festa canibalesca, levando sob a roupeta um lenço gotejante de água. Se a degradação dos aborígenes envergonha a terra e desafia o céu, ele veste o saco de penitente, vai flagelar-se diante das tabas, de aldeia em aldeia, sangrando no ato expiatório pelos selvagens, até que lhes prometem, abalados e arrependidos, não pecar outra vez. Se a mímica dos feiticeiros impressiona o gentio, ele tenta apropriá-la ao ensino da lei cristã, desenvolvendo-lhe o prestígio como instrumento religioso. À noite, no terreiro das ocas, fazendo visagens, espalmando as mãos, desferindo assobios, pisando e repisando à maneira dos pajés, Aspilcueta Navarro anunciava o reino de Deus aos canibais. (180) Nota do Autor.