das tribos amigas, evangelizadas pelo missionário em 44 anos de peregrinações, desvelos, sacrifícios, combates, os seus prantos bárbaros como os seus cantos de guerra encheriam as selvas. Caíra o grão-pajé dos cristãos, emudecera a grande voz, que havia protestado nas origens brasileiras, em nome da liberdade, contra a velha opressão do homem pelo homem.
Alçada a cruz, processionalmente, os índios de Reritiba levaram-lhe o corpo fechado em uma caixa de cedro até à vila de Vitória, por toda uma distância agreste de 14 ou 15 léguas, marchando com eles o padre João Fernandes, revestido de alva e estola. Nesse pequeno féretro, leve como um berço, repousava meio século de heroicidade cristã. Por intercolúnios, labirintos, arcarias, degraus tapetados de musgo, através das florestas, ia descendo e ecoando o séquito. Guerreiros brônzeos, carpideiras seminuas, piás ingênuos lamentavam o eclipse da grande força miraculosa. Na câmara ardente do ocaso, longe, dir-se-ia que a hora vesperal gotejava sangue... Depois, ao anoitecer, o cortejo seguia entre massas, que eram troncos, fantasmas, que eram palmeiras, vultos colossais e montanhosos, denteadas bocas de caverna... Ouvia-se a espaços o coaxar dos batráquios, um grito de ave noturna varando a solidão, o choro de alguma fonte oculta nas matas, sob o limo das pedras carcomidas. Penoso era o caminho de tantas léguas, mas não sentiam fadiga ou sono os caminhantes. Ramos em flor pendiam sobre o ataúde, exalando o perfume silvestre. À passagem de um rio, em canoa, cessou a fúria das ondas na presença do corpo de Anchieta, e sobre o leve despojo, simbolicamente, resplandecia o Cruzeiro do Sul.
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