engano insidioso com que obteve a abjuração escrita (?) a preço da vida e, uma vez de posse deste documento, traiu o infeliz e foi cinicamente ensinar o carrasco a matar sua vítima." Não cessou a repercussão do erro de Beretário, agravada pelo sectarismo, na própria mentalidade contemporânea.
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Tudo isso é profundamente inverídico e injusto. O herege francês João de Bolés, da França Antártica, foi enviado pelo bispo da Bahia, não ao governador Mem de Sá, em 1567, com destino ao Rio, mas em 1563 à Inquisição de Lisboa, onde abjurou todos os erros e cumpriu a sua penitência no convento de S. Domingos. Ainda mais: um documento jesuítico, a Informação, atribuído ao próprio Joseph de Anchieta e escrito em 1584, dezessete anos depois da conquista do Rio de Janeiro e da execução do herege anônimo de Guanabara, consigna expressamente que o dito Bolés fora mandado da Bahia a Portugal, de Portugal à Índia, e nunca mais aparecera no Brasil.
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As inexatidões pululam no texto de Beretário, onde o bispo manda João de Bolés (Joanes Boullerius), em 1567, da Bahia para o Rio, acabando o herege às mãos do verdugo e aos olhos dos franceses, justiçado pela crueza do seu amigo Mem de Sá. Ora o bispo da Bahia, d. Pedro Leitão, veio para o Rio nesse mesmo ano de 1567, na rota desse mesmo governador-geral, a quem não lhe era possível, antes da sua volta, mandar o réprobo, mas a impossibilidade continua, admitida a hipótese, porque o francês anônimo, supostamente executado no Rio, foi tomado in loco, entre os soldados