O rei do Brasil: vida de D. João VI

de desanimados Infantes fustigados por uma aflição sutil, de espíritos que oscilavam entre o orgulho de Cesar e a renúncia de Jesus – acumulara-se, por uma natural convergência de taras, no temperamento contraditório da princesinha do Brasil.

O pai, aquele enigmático rei D. José, a quem a doença hereditária secara as pernas, a vontade mole repousada no gênio provido do seu ministro, voluptuoso como D. João V, porém vigiado, perseguido pelo ciúme áspero, indormido da feia rainha - transmitira-lhe a indecisão, a perplexidade, o enfado precoce de viver, com uma duplicidade estranha de caráter, entre humilde e orgulhoso, tão imperiosa que nem a demência total lhe abateria a altivez nativa, mas tão piedosa que se anulava, um eterno rosário entre os dedos de marfim, aos pés de um frei confessor onipotente.

A espanhola Mariana Vitória transportara de Madrid a misteriosa moléstia nervosa dos reis seu pai e irmãos. Felipe V transformara-se em Espanha, de donairoso duque d'Anjou marcial e belo, num pobre monarca vesânico, esquivo, tolhido, governado afinal pela esposa, a enérgica Isabel Farnese, que lhe não permitiu segunda abdicação, dirigindo-o como a uma criança, cujos desatinos súbitos se aplacavam aos gorjeios do tenor Farinelli. Dos seus filhos, Luiz I, segundo Saint-Simon, "tinha a inteligência do menino, a curiosidade do adolescente e as paixões do homem". A escassa vitalidade, a mulher trêfega que lhe deram, mademoiselle

O rei do Brasil: vida de D. João VI - Página 12 - Thumb Visualização
Formato
Texto