Tapirapé - tribo tupi no Brasil Central

etnólogo é preciso também saber deixar de sê-lo em certas situações. Pois bem: ao sol do meio-dia, em 15 de julho de 1935, percebi que atrás da casa de Kamairahó estava o atlético Inamoreo surrando uma mulher. Com chibata e a prancha do facão batia na esposa. Ela era tão pequena e delicada que mais parecia uma criança apesar de ter, talvez, os seus 20 anos. Corri para lá, metendo-me de permeio. A mulherzinha chorava desesperadamente, mas não se afastou. O homem tentou puxá-la para dentro de casa que era a casa deles, a de Kamairahó e a minha também. A jovem Maräampá se debatia. Aí o marido entrou em casa. Ela, por fim, seguiu-o. Entrei também. O homem tinha o facão na mão. Eu tinha as mãos livres, mas estava preso à minha formação. Disse a Inamoreo que não se bate em mulher como se fosse cachorro. (Referi-me àqueles cachorros que só a pauladas podiam ser impedidos de almoçar com a gente.) Inamoreo xingou, enquanto sua mulher continuava a soluçar. Expliquei, então, a todos os presentes que bater na mulher não é coisa boa. Mais tarde, sentado ao lado do casal Kamairahó, contei-lhe que se um branco bater na esposa, outro branco o mataria com revólver, e acrescentei em tom de brincadeira: Se tu, Kamairahó, bateres em tua mulher, eu hei de matar-te com o meu revólver. Com estas palavras, afastei-me. Depois de algum tempo, Kamairahó passou por perto de mim com cara preocupada. Aonde vais? perguntei. Sem sorrir ele respondeu: Tenho medo de ti. Abracei-o, beijei-o impetuosamente a modo tapirapé, isto é, esfregando o meu nariz no dele, mas tudo isso em vão. Esperou pacientemente até que me afastasse, continuou a andar e repetiu baixinho aos homens e mulheres que encontrava que estava com medo de mim, do branco que costuma matar a bala aqueles que batem na mulher. Seja-me permitido observar, aqui, que sempre andei desarmado entre os tapirapé, tendo guardado, como Kamairahó bem o sabia, o revólver na minha rede de dormir pendurada ao lado da sua, e mesmo aí o revólver estava à mão somente a pedido do próprio Kamairahó a fim de garanti-lo contra um eventual ataque noturno dos temidos caiapó. Kamairahó entrou em casa e logo se fez ouvir de lá agitado e longo falatório. Com a rapidez de um raio se espalhou pela aldeia a notícia de que Kamairahó estava com medo de mim, deitado na rede, e que eu mataria com revólver os homens que batem nas esposas. Uma mulher de meia-idade se aproximou de mim, dizendo: "Tenho medo de ti". Assegurei novamente que não sou ruim, que, pelo contrário, sou muito bonzinho, e para prová-lo, abracei cordialmente um homem que estava ao seu lado, para não precisar abraçar a ela própria. Ao meu companheiro Kegel que neste momento chegou perto de mim, disse: "Certos pesquisadores que foram mortos pelos índios com que conviveram, como, por exemplo, Boggiani entre os chamacoco, foram assassinados simplesmente por medo". Aí, como se tivesse compreendido estas minhas palavras, o homem que acabei de abraçar perguntava se os xavante de fato tinham morto o branco de nome padre João e se o teriam liquidado com clavas. Não sei de onde o tapirapé havia recebido esta informação e se sua pergunta representava uma reação ou apenas mera conversa. O que sei é que não poderia ter entendido o meu comentário acerca dos assassinatos por medo. Uma hora mais tarde, vi Kamairahó

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