Tapirapé - tribo tupi no Brasil Central

ir ao córrego, levando dois chocalhos de cabaça que obtivera dos vizinhos carajá, sem nunca, porém, tê-los usado. Fui atrás dele e perguntei o que pretendia fazer com os chocalhos. Explicou-me que estavam sujos e que queria lavá-los, acrescentando: "Quando fores embora e eu ficar aqui, os chocalhos irão contigo". Continuava com a cara abatida. Aliás, todos se mostravam deprimidos e quando entrei na maloca, não fui saudado como de costume com a amigável exclamação: Chegaste! Mas, olhando para um e para outro, acabei recebendo uns sorrisos amáveis. À noite, Kamairahó disse ao rev. Kegel, que continuava com medo de mim e quando este o tranquilizou confirmando o caráter de brincadeira de minha ameaça, foi convidado imediatamente, em troca deste consolo, por Kamairahó para comer bananas. Entretanto, Inamoreo, que bateu na mulher, já estava dormindo pacificamente com ela na rede e explicou mais tarde que a tinha surrado só com a flecha - o que não era verdade. Convidei Kamairahó para um jantar de veado e cará. Ele comeu bem, mas com ar preocupado, queixando-se de dor de cabeça. Dei-lhe aspirina.

É preciso considerar que o medo descrito talvez fosse motivado menos pela ameaça com o revólver do que pela maneira agitada com que eu manifestara minha ira, que contrastava com o comportamento dos tapirapé. Mesmo a mulher de Kamairahó que costumava xingar muito, sempre o fez com voz monótona e aparentemente calma, ao contrário, por exemplo, das mulheres carajá que gritam desenfreadamente. Convém mencionar, porém, que os tapirapé ficaram também com medo do rev. Kegel, quando uma mulher lhe furtara azeite e quando cães lhe rasgaram a toalha. E o meu companheiro era menos explosivo que eu!

Causas mais graves do medo são os ataques dos caiapó. Já mencionei que, por isso, me pediram que dormisse armado. Quando um boateiro falou em aproximação desses índios, toda a aldeia ficou logo em alvoroço. E com muita razão, pois, em 1947, logo depois da minha segunda visita aos tapirapé, aqueles belicosos vizinhos assaltaram a aldeia, saqueando-a e queimando-a, matando e raptando mulheres.

Também foi provocado medo pelo mencionado eclipse lunar que deixou todos abatidos e fez os homens falar em voz baixa. Mas enquanto este fenômeno foi causa incomum do medo, havia outras causas a qualquer momento e em qualquer lugar, porque o tapirapé vivia rodeado de espíritos malignos. Eis aqui o denominado "medo imaginário" a cujo respeito Mira y López (39) observa que "até os mais valorosos guerreiros, capazes de lançar-se a descoberto contra uma muralha de fogo ou de lanças, retrocedem espavoridos ante a suspeita de um inimigo tênue e invisível". Realmente, o tapirapé que enfrenta a onça só com arco e tacape, como Kamairá e Chapoko me deram ocasião de observar, e que não teme a morte, como frequentemente me afirmaram, horroriza-se com a existência das almas dos mortos e de outros seres ruins.

Mas este povo cheio de medo era o mais alegre que encontrei na minha vida. O seu líder Kamairahó, pessimista que mais do que qualquer outro declarava ter medo, trazia toda vez que eu o via acordar de manhã, um sorriso feliz no rosto.

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