Ouro Preto, o homem e a época

correligionários, atraindo a si, inteiramente a si, a responsabilidade do suposto crime, sofreu morte afrontosa, não faltando aos administradores portugueses o remate com requintes de perversidade: salgaram-lhe a carne, expuseram-lhe a cabeça em frente à sua residência, em Vila Rica de Ouro Preto, e, no campo da Lampadosa, onde o enforcaram, extraíram-lhe o sangue do corpo esfacelado para lavrar, com ele, a certidão de enforcamento e esquartejamento de seu cadáver! Mal sabiam os vice-reis e governadores, mal suspeitavam D. Maria I e os seus juízes que, com o sangue desse herói, desse símbolo da Liberdade do Brasil, é que se aprofundariam em solo pátrio as raízes da independência acalentada pelo mártir insigne. Porque, diante do grave, doloroso epílogo da Inconfidência, não mais foi possível a concordância dos brasileiros em face do predomínio da Corte lusitana. Não houve, é certo, e felizmente, a divisão dos povos de Portugal e do Brasil. Não se verificou o cisma étnico. Os portugueses continuaram migrando para aqui, cônscios de encontrar neste pedaço da América o prolongamento de sua pátria, os novos compartimentos de seus lares. Os administradores, porém, não mais eram tolerados. Tanto que, depois de ter convivido conosco doze anos, dada a mudança da Corte para o Rio, D. João VI, ao regressar ao Porto, em 1820, em virtude do movimento constitucionalista ali triunfante, advertiu o filho Pedro I sobre a inevitabilidade de ser o Brasil separado de Portugal, concluindo por sugerir-lhe a posse da coroa, antes que outro o fizesse, aventureiramente. A advertência foi sensata, diante da evidência dos sintomas. A precipitação, porém, do desligamento foi ainda provocada pelos próprios portugueses, que fizeram o seu constitucionalismo surgir carregado de ressentimentos contra a antiga colônia, por força da decadência a que fora Portugal arrastado

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