À sombra de Rui Barbosa

pasmosa, que reproduz caprichosamente as formas e o movimento do observador. [...] Não quero dizer que o Governo seja a crista de Brocken. Mas o Governo é a mais culminante das alturas que o sistema representativo franqueia à ambição confessável dos homens; e, por isso mesmo, com esta enfermiça natureza que Deus nos deus, é acessível às visitas da vaidade, fada misteriosa que se compraz nessas alturas, que se deleita e ri com as nossas quedas, e, ante os que se extasiam nesses cimos, sabe desenhar, no horizonte da imaginação, zombeteando-os com essas mentiras de um falso espelho, outros fantasmas de Brocken, com seu esplendor efêmero de círculos de Ulloa. O Governo, Sr. Presidente, o poder tem essas miragens análogas à daquelas misteriosas paisagens alpestres; porque, conquanto o governo seja sempre o governo, conquanto o poder seja sempre o poder, é lá justamente, por influxo da elevação, às vezes demasiada, que mais comum e perigosamente se multiplicam algumas fraquezas nativas da nossa espécie: a intolerância, a contemplação satisfeita de nós mesmos, esse narcisismo, que de tantas quedas morais e de tantos despenhamentos políticos é causa."

Não era possível dizer mais. Nunca o imenso orador, que costumava arrasar o plenário da Câmara com a violência do pampeiro, tivera pela frente uma coragem como a do destemido e inarredável baiano. A Câmara aplaudia e - pior que isso sorria, Silveira Martins magoou-se. Não mais dirigiu a palavra a Rui Barbosa. Quinze anos depois os acontecimentos os atirarão, de novo, juntos, num de seus temporais, no mesmo ponto de exílio, em Montevidéu, combatendo o mesmo Governo. O inimigo comum os congraçou como sói acontecer em política. Mas o intermediário da reconciliação notou que as feridas na vaidade do gaúcho ainda estavam doridas.

Outro discurso de mais de cem páginas é o de 10 de julho, a respeito da reforma eleitoral. Rui Barbosa havia escrito algumas dezenas de editoriais acerca do assunto. Ele entendia que uma vez reunida a Câmara dos Deputados eleita com poderes para reformar a Constituição, não poderia ficar submetida a qualquer limitação da assembleia antecessora. Mas, salva essa preliminar, propunha-se a fazer um profundo exame da situação eleitoral do país. Começa com um quadro da situação do momento, com suas deficiências e suas fraudes. Impugna a hipócrita representação das minorias. Ao contrário do que geralmente se diz, Rui não crê em leis "talismãs". Sem certas condições gerais não há reforma possível, seria um "triunfo vistoso, mas infrutífero".

À sombra de Rui Barbosa - Página 32 - Thumb Visualização
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