de uma cultura jurídica muito mais vasta que a maior parte de seus colegas de Câmara, Gaspar não primava pela modéstia. Diziam os inimigos que ele era de tal vaidade que seria capaz de conjugar os verbos impessoais, e dizer: eu chovo , eu trovejo. Contra este Golias, que também era um gigante no porte, mandou o Partido Liberal que marchasse um Davi quase estreante, de 1,58 m de altura, ainda por cima arrasado pela notícia de morte recente de sua irmã. Gaspar eletrizou o ambiente com sua oratória coruscante. Trovejou e lançou sobre o gabinete as fúrias de uma acusação em boa e brilhante forma parlamentar. Não contava com a resposta que levou. Rui ergueu-se pálido e franzino, em luto rigoroso, e deslocou imediatamente a questão para a preliminar em que levava uma indiscutível vantagem.
A princípio Silveira Martins não se apercebeu que ia correr um grande risco. Apenas Rui Barbosa afirmou que, de todos os deputados, um havia a quem uma interpelação era impossível, "ante as leis da decência parlamentar, como ante os princípios mais triviais do dever comum", o interpelador reclamou: "Não recebo lições". Mas teve de ouvir mais: "Se houvesse um réu de quebra da moralidade administrativa, ou do pudor parlamentar, esse réu seria, não menos que o Gabinete 5 de Janeiro, o ex-ministro da Fazenda [...] Se o Partido Liberal estivesse, como S. Exa. diz, fulminado de morte, se o Gabinete 5 de janeiro estivesse defunto, S. Exa. seria um membro não menos morto do cadáver". Aí interrompeu-o mais uma vez com infelicidade o interpelante: "Há muito tempo que já morri". Houve hilaridade. Mas José Mariano aproveitou a deixa e contra-aparteou rudemente: "Apoiado; e foi para a vala desconhecida".
Subindo de tom, Rui Barbosa reage com violência ao tom sobranceiro do grande tribuno: "As sociedades regem-se com o tridente netunino, que abonança as ondas, não com as bochechas de Bóreas, que não servem senão para soprar e devastar". Houve aplausos, e Rui encerra a sua defesa com uma imagem sensacional. Acha meios de chamar de vítima de um delírio de grandeza o interpelante. E lembrando a frase famosa que lhe era atribuída - "O poder é o poder" -, compara-o a uma vítima do fenômeno que se conhece em certa montanha alemã, o cume de Brocken, na serra de Hartz. Em certas horas, o explorador que ali se encontra vê desenhar-se na atmosfera:
"(...) sobre o pedestal das montanhas fronteiras, um perfil humano de tamanho desmarcado, monstruoso, gigantesco. Uma sucessão concêntrica de círculos luminosos rodeia, como auréola de um múltiplo arco-íris, aquela imagem