tratar-se de seres muito ferozes, procuravam obter a tolerância dos padres para as suas entradas, cujo objetivo era mais o apresamento de escravos (que eram vendidos a dois cruzados por cabeça), do que o desbravamento da terra desconhecida. Todavia, com todos os seus defeitos e erros, é a tais caçadores de índios que se deve a penetração nas terras do vale são-franciscano.
A primeira Carta Régia que estabelece o direito de escravização dos aborígines é de 1570, mas, antes mesmo da autorização da Metrópole, já em 1543 e 1550 os homens de Duarte Coelho rasgavam o São Francisco na perseguição de índios para a escravidão. Penedo, no baixo São Francisco, já em 1560 era grande centro de convergência do mercado de índios escravos. Como acertadamente salienta um dos melhores estudiosos do assunto(7) Nota do Autor, "não eram passados ainda trinta anos do início da ocupação efetiva do Brasil" e já "a escravidão dos índios se generalizara e instituíra firmemente em toda parte", selvageria política que os padres condenavam e os oficiais da Câmara da Bahia advogavam com ardor(8) Nota do Autor.
É o caso, porém, de perguntarmos: seria possível a penetração e colonização da imensa terra brasileira, sem a escravização do braço selvagem? Se a colônia era muito longe, e, na Europa, com exceção dos portugueses, ninguém confiava muito no seu futuro, onde mobilizar braços para o seu desbravamento, se não entre os nativos? A mentalidade do século das descobertas era tão dominada pelo espírito de aventura, pela ânsia do ganho fácil, que Américo Vespúcio, dando o seu depoimento sobre o que viu no Novo Mundo, disse apenas: "Não tem nada que se aproveite." Num século de delírio de conquistas e riquezas, em que a índia fascinava a todos com os seus tesouros e os seus mistérios, era natural que houvesse um certo pessimismo quanto às perspectivas econômicas do Brasil. Apenas Portugal confiava e, assim mesmo, desconfiado. Daí a dificuldade de braços para a conquista da nova colônia. Nação pouco populosa, Portugal ressentia-se da escassez de homens para a concretização do programa de expansão do seu império colonial. Não contando com densidade demográfica capaz de garantir o êxito de uma empresa da proporção da conquista e colonização de um território vasto como o brasileiro, Portugal teria de lançar mão do odioso recurso da escravização dos primitivos habitantes