O Médio São Francisco. Uma sociedade de pastores guerreiros

O São Francisco precisa ser redescoberto. O exemplo dos bravos que, descendo o rio nas costas das canoas improvisadas ou subindo-o no coice das boiadas lentas, na aurora da Colônia, conquistaram o vale, deve servir de incentivo às novas gerações, na luta pela reconquista do São Francisco, que continua com suas energias perdidas e suas terras despovoadas, como no tempo em que ainda era lícito sonhar com as esmeraldas, verdes como os cabelos da Mãe-d'Água e faiscantes como o corpo dourado da Cobra-Grande da lenda nativa. Hoje não estamos muito menos longe de conhecer o São Francisco do que os reinóis que ficavam, como na frase consagrada do Frei Vicente, a arranhar o litoral como caranguejos. Mesmo os que vivem no vale continuam a desconhecê-lo. Mas já é tempo de rasgar o véu que mantém escondida a realidade desse mundo desconhecido, que, um dia, e isto não se nos afigura tão remoto, atrairá sobre si as atenções dos cinco continentes.

A FORMAÇÃO DOS LATIFÚNDIOS

Será repisar num truísmo lembrar que a Coroa portuguesa pouco fez pela efetiva conquista e desenvolvimento da Colônia. A sua função era meramente fiscal. Os colonos, os bravos e aventurescos cidadãos lusitanos, agarrados quase que a dente de cachorro, ou enganados por promessas fantasiosas para virem construir o Brasil, aqui chegados, ficavam entregues à própria sorte, gastando do bolso o necessário para as despesas essenciais ao progresso dos trabalhos de penetração do imenso território. Os portugueses que para cá eram mandados, como donatários das capitanias, ou o que mais fossem, nem sempre tinham o dinheiro suficiente para fazer face à pesada empresa. Nem a terra lhes era dada, de fato, por só lhes caber "uma parte do usufruto", como acentua Rocha Pombo(12) Nota do Autor. Portugal, que até 1500 era um império, na época da penetração efetiva da terra brasileira estava em decadência, de maneira que o Estado não podia realizar a colonização. Entregando a capitalistas mais ou menos aventureiros a obra da colonização, a Coroa portuguesa reservou para si apenas os direitos de soberania, inaugurando, retardatariamente, na América, uma sociedade feudal, quando o feudalismo estava praticamente abolido no resto do mundo, e anos depois seria virtualmente banido da face da terra pelo gênio político de Richelieu. Como a empresa continuasse sem progredir,

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