e nas pedras preciosas, deixando os broncos desbravadores que se embrenhavam na terra inóspita entregues à própria sorte. E, se ainda lhes davam as tais sesmarias, era porque as léguas e léguas de terra virgem não valiam nada aos seus olhos de cortesãos balofos, dilapidadores do patrimônio dos reis mortos. Desprezados pela Metrópole no sertão sem fim, como os retratou Gilberto Freyre(15) Nota do Autor ao escrever que "o português se tem perpetuado, dissolvendo-se sempre noutros povos a ponto de parecer ir perder-se nos sangues e nas culturas estranhas". Distanciados do chão pátrio, perdidos na terra imensa, sentiam-se cada vez mais livres dos laços que os ligavam à Europa, ao tempo em que viam aumentar dentro de si o amor à pátria que iam criando para os seus filhos mestiços. O vinho, o pão de trigo, quando chegavam às fazendas do vale longínquo, eram tão deteriorados quanto as leis da Coroa, daí terem eles de incorporar à sua culinária a mandioca, o milho, o caju, o jenipapo e o maracujá, que, "adaptados a velhas receitas portuguesas e africanas"(16) Nota do Autor transformavam-se em farinha, cuscuz, doce, beiju, licor e vinho. Mas não era só a cozinha que eles organizavam com o que a terra dava, pois também as suas leis eram feitas sob a inspiração e influência do meio. Das leis da Coroa, apenas o fisco estava realmente presente naquele anfiteatro de grandezas super-humanas. A rude civilização agropastoril que nascia no vale, sob o regime dos latifúndios, ela própria aconselhava as leis que deviam ser postas em prática, leis que não eram escritas, mas que todos respeitavam. As convenções por eles erigidas em código, ninguém ousava violá-las. Assim é que vemos, contendo a fome de terra dos sesmeiros e entre um latifúndio e outro, uma légua de terra sem dono, comum, os "sobrados", ali interposta para evitar questões de limites. Nessas terras de ninguém, os rebanhos pastavam misturados. Contidas pelos "sobrados", as "extremas" das fazendas eram invioláveis. As leis do ermo eram simples, mas drásticas. Um outro preceito legal, naquelas terras e naqueles tempos, era, por exemplo, a obrigatoriedade da luta no caso de perigo comum, como os assaltos dos bugres ou de animais ferozes.
Com o passar do tempo, aquelas primitivas sesmarias se foram transformando, multiplicando-se em centenas de fazendas menores, muitas vezes constituídas apenas de uma capineira cercada e o curral