A consciência didática no pensamento pedagógico de Rui Barbosa

A CONSCIÊNCIA DIDÁTICA...

O plano de reforma do ensino elaborado em 1882-1883 pelo então jovem deputado baiano Rui Barbosa nem sequer mereceu as honras de uma condigna discussão parlamentar. Foi relegado ao "mofo e à traçaria dos arquivos", segundo suas próprias palavras. Foi preciso que se passasse um século sobre esse trabalho para que os técnicos começassem a perceber que aquele projeto continha o germe de muitas ideias pedagógicas e políticas que hoje se nos afiguram imprescindíveis.

Durante anos repetiu-se nos compêndios históricos que o "Parecer" de Rui Barbosa referia-se a um projeto de Rodolfo Dantas que ele, como amigo, procurava enaltecer. Acontece que não houve nenhum projeto Rodolfo Dantas de reforma do ensino. O "Parecer" foi elaborado acerca de um projeto governamental de autoria do professor paulista Carlos Leôncio de Carvalho. De uma figura das mais importantes do movimento educacional moderno ouvi, impávido, que o "Parecer" de Rui era impostura, mera salada de autores estrangeiros sem nenhuma relação com o Brasil.

Mercê de Deus, a reedição de obra tão desprezada provocou uma revisão em juízos tão levianos. Algumas dezenas de trabalhos têm focalizado a visão política, no alto sentido da palavra, que está implícita na obra de Rui, que não pode ser entendida em toda sua extensão sem o conhecimento de sua atividade parlamentar, e sua ação prática na Liga do Ensino e na visão da transformação do País no seu discurso no Liceu de Artes e Ofícios.

A monografia do professor José de Arruda Penteado é dos mais valiosos estudos sobre este monumento da pedagogia nacional. Sem ser um apologista sistemático da obra ruiana, o autor coloca devidamente o plano de ensino proposto dentro do plano político-econômico em que ele se enquadra. Completado pela reforma agrária, de que seria instrumento a lei Torrens, anulada pelo sistema da Primeira República, a reforma educativa abrirá ao País horizontes amplos para sua transformação de uma plantation land numa grande nação industrialista. As proposições educacionais não eram utópicas nem românticas. Mas faziam parte de uma série de reformas que destruiriam a educação, a qual não passava de um privilégio da classe dirigente, de profundas raízes agrárias e comerciais. E é esse aspecto que continua a se apresentar diante de nós. Pouco fizemos até agora para remodelar esta estrutura paralisadora.

Também não esqueceu o autor que nenhuma reforma social pode ser encarada isoladamente. Ao mesmo tempo aproximadamente em que cuidava de libertar a escola, Rui elaborava a reforma eleitoral com "O pensamento frio de fazer um projeto sobre eleições. Uma lei tão perfeitamente liberal quanto as circunstâncias permitissem". Para isso procurou o mais possível incorporar o voto do proletário. (V. Carta do senador Dantas de 1880)

Desse trabalho de Rui disse o educador francês Planchard: "Rui Barbosa foi um autêntico precursor da educação nova. Ele até se exprime em termos quase idênticos aos de Dewey, de Claparède e de outros".

É bom sinal que os novos educadores voltem-se para o passado e verifiquem que houve quem visse de longe os perigos que teremos de apontar.

A.J.L.

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