Devoção e escravidão. A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos no Distrito Diamantino no século XVIII

Constituindo o maior contingente demográfico da região diamantina, é natural que o homem de cor se tornasse um dos elementos mais atuantes na vida do Distrito. Uma das forças mais eficazes de participação nas atividades locais era a que se efetuava através da irmandade. Sobretudo o escravo, relegado a uma posição subalterna, ganhava por esse meio uma oportunidade única para se fazer ouvir.

Nas Minas Gerais, as confrarias, como já foi dito em outro lugar, eram os centros de reunião, onde se encontravam os diversos grupos populacionais, apesar de se manterem em linhas gerais a separação por etnias. Essa separação não foi, aliás, uma característica brasileira, pois existiu também em Portugal. E tanto na Espanha quanto na América Espanhola os próprios grêmios profissionais eram discriminatórios, fazendo questão da limpeza de sangue.(1) Nota do Autor É curioso observar que, nas irmandades religiosas do Brasil, os brancos, que constituíam a minoria da população, irão estabelecer uma série de restrições raciais, enquanto em Portugal são os negros os que fazem questão de manter seu grupo separado, desejando conservar prerrogativas próprias.

As Irmandades do Rosário tiveram papel importante na integração do homem de cor e podemos dizer que este, sobretudo quando escravo, pôde exercer, por meio da confraria, certas atividades que pairavam acima de sua condição. Aliás, este foi sempre o papel de irmandades e grêmios profissionais que davam aos seus membros posição mais segura dentro da sociedade, marcando-lhe lugar determinado, agrupando as comunidades sob a proteção de um orago, valorizando-as, dando-lhes dignidade.

As associações do Rosário permitiam que o escravo e outros homens de cor se reunissem dando vazão às tendências gregárias ou lúdicas. Como as celebrações eram ordinariamente religiosas e assim abertas a toda a população, qualquer festa católica poderia proporcionar tais oportunidades, mas era nas comemorações de seus santos protetores que o preto se torna o organizador, o "dono" da festa, patrocinando-a a seu gosto.

Desse modo, a confraria era praticamente a única instituição aberta ao homem de cor, dentro da legalidade, onde, esquecida a sua situação de escravo, poderia viver como um ser humano.

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