Devoção e escravidão. A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos no Distrito Diamantino no século XVIII

De fato, um dos aspectos mais importantes dessas associações será o de dar dimensão humana ao escravo negro. Apesar de pela lei o cativo ter posição comparável à das bestas e ser em inúmeras circunstâncias tratado como tal, dentro da confraria ele já é alguém. Considera-se, e não deixa de ser visto pelos demais, como um ser humano. Aliás, nesse particular não é possível esquecer que a Igreja via no escravo uma criatura com as mesmas obrigações que competiam a outros homens, devendo frequentar a missa e os sacramentos, tendo de crer nos mesmos dogmas e seguir as práticas por ela estabelecidas. Sempre forçou nesse sentido os senhores, intimando-os à força de castigos e multas a permitir que seus cativos frequentassem o culto, não fossem obrigados a trabalhar nos domingos, tivessem um dia para labutar por sua conta. Mesmo que a realidade prática se tenha apresentado de modo diverso, esse aspecto não pode ser esquecido, manifestando uma contradição dentro da igreja, uma vez que esta aceitava a escravatura, ao menos tacitamente.

Mais do que a possibilidade de oferecer auxílio e receber proteção e amparo em seus apuros e necessidades, foi o poder agir como criatura humana que levou o homem de cor a se interessar pela irmandade. Somente nela ele teve meios de se reunir aos semelhantes, de se comunicar, de agir em igualdade de condição com o branco, de enfrentá-lo, pois, tanto as festas como as construções de templos, se revelaram poderosos veículos de competição.

Além do local de reunião, a irmandade significará um controle sobre o grupo negro. É difícil determinar quem mantinha esse controle, talvez o branco em parte, talvez os elementos mais conspícuos da população de cor. A confraria, sem dúvida, exercia poderosa ação sobre seus membros, estabelecendo as regras de bem viver. As reuniões, fixas, mensais, precedidas da assistência à missa, permitiam que se estabelecesse tal controle pelo grupo dirigente da associação. Mesmo porque, essas reuniões fixas eram complementadas por outras, esporádicas, mas obrigatórias e importantes, como as que proporcionavam o acompanhamento dos irmãos defuntos. A alta taxa de mortalidade dos escravos fazia com que fossem frequentes tais encontros.

Por outro lado, é praticamente impossível que assuntos respeitantes à construção de igrejas, de altares; à organização de festas dos santos padroeiros, fossem resolvidos em uma única reunião mensal. É inegável que o grupo dirigente da irmandade deveria ter ainda outras oportunidades de encontro e desse modo levar os irmãos a uma unidade de pensamento, à procura das mesmas metas, ao engrandecimento da confraria. As missas dominicais,

Devoção e escravidão. A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos no Distrito Diamantino no século XVIII - Página 156 - Thumb Visualização
Formato
Texto