Devoção e escravidão. A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos no Distrito Diamantino no século XVIII

1. A jurisdição eclesiástica e temporal

A peculiaridade das relações entre a Igreja e o Estado em Portugal e seus domínios criou uma série de problemas relacionados, sobretudo, com a jurisdição eclesiástica e temporal. São aspectos tipicamente medievais, que só permanecem em períodos posteriores na medida em que o país preserva certos traços arcaicos e mantém estruturas em desacordo com os conceitos e as necessidades de tempos novos. Tais questões, entretanto, por muito vastas e complexas, escapam à alçada desta pesquisa. Portugal sempre se considerou uma nação católica, fidelíssima à Igreja, orgulhosa dos títulos e pompas que esta lhe proporcionava e, mesmo em pleno século XVIII, no chamado século das luzes, D. João V despendeu grandes somas para obter o título que correspondesse àquela condição.

Aliás, os soberanos portugueses sempre se esforçavam por colocar-se no papel de filhos extremosos da Igreja romana.

Este traço não deve, contudo, criar ilusões. Não significava submissão, mas, pelo contrário, parecia ser um dos meios de que a Realeza lançava mão para manter uma posição de relativa independência, sem ir ao ponto de uma ruptura. Em relação à própria soberania, Portugal sempre timbrou em não permitir interferências da Cúria nos seus negócios internos. Os exemplos dessa atitude são numerosos e conhecidos na história portuguesa.

O caso da Espanha, com o Real Padroado das Índias, apresenta, em certos aspectos, problemas semelhantes, criando também uma união entre os poderes civil e religioso e interferência real em questões eclesiásticas.

A habilidade de alguns governantes e as circunstâncias locais proporcionaram a Portugal uma possibilidade de escapar à ação de Roma. O aparecimento da Ordem de Cristo e o fato de seu Grão-Mestrado cair nas mãos dos soberanos deram meios a estes para agirem com certa liberdade. O Grão-Mestrado da Ordem de Cristo fará dos Reis de Portugal os mentores da vida religiosa, tanto do Reino como das Colônias, propiciando ao Estado uma posição de preponderância sobre a Igreja.

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