Minas, agora, para sempre
Na desordem de meus papéis, comecei a procurar as cartas de Sylvio de Vasconcellos; as que ele me mandou a partir do momento em que deixou o Brasil, para perambular pelo mundo: primeiro Paris, com uma passagem por Lisboa, para a qual tive a honra de modestamente contribuir, até 1802 Corcoran Street, N. W., Washington, D.C. Voltou depois ao Brasil, após um ano, e daqui foi para o Chile, onde permaneceu dois anos. Outra vez no Brasil, aqui ficou por três anos. Findo este período, transferiu-se para os Estados Unidos, a convite do governo americano e de lá seguiu para Lisboa com uma bolsa de estudos da Fundação Gulbenkian. Com uma bolsa da Fundação Gugenheim, retornou aos Estados Unidos e ali passou a trabalhar para a OEA, quando viveu então um ano no México. Finalmente, permaneceu nos Estados Unidos e aí veio a morrer. Sem ter sido formalmente exilado, tendo saído do Brasil por vontade própria, o fato é que aqui não encontrou o ambiente que os seus serviços e o seu valor reclamavam. Basta dizer que foi aposentado em 1969.
Já disseram os ingleses que a democracia é como a gravidez: nenhuma mulher pode estar um pouquinho grávida, como não se pode ser um pouco democrático. É tudo ou é nada, ao menos no que diz respeito à política, quanto à intenção do projeto que se pretende pôr em execução. Da mesma forma, é inconcebível um perdão que se faça segundo a tabela tecnocrática de juros bancários. Ninguém perdoa segundo o saldo médio, até o limite de oitenta por cento. Como não somos igualmente passíveis de esquecer trinta e cinco ou noventa e oito por cento. Perdão é perdão. Esquecimento é total, mão e contramão, de parte a parte, misericordiosamente, de todos para com todos. Se anistia é esquecimento, e é, como anistiar parceladamente? A história ensina que todo processo de anistia, uma vez iniciado, a partir do pressuposto de que a repressão tornou-se inoportuna (ou impotente, ou ao menos deixou de ser onipotente), acaba por ampliar-se até o limite máximo, irrefreável. É água que não se represa. A teimosa insistência em represá-la pode dar na demolição da barragem, ou seja, na catástrofe;