Vida e obra de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho

ou pode recuar ao estado anterior, com um retrocesso que a ninguém interessa. É o caso do Brasil nesta hora.

Uma das coisas que me doem é o grande número de amigos que morreram antes de ver o fim do túnel. Seria impossível distinguir alguns deles entre eles todos. Mas Sylvio de Vasconcellos me fala muito particularmente, muito de perto, ao coração. É possível que eu não tenha insistido em localizar todas as suas cartas, para evitar-me o sofrimento de relê-las, uma por uma, agora que ele está morto, no imperturbável silêncio para sempre que sela a boca dos que se foram para o país indescoberto de Shakespeare, para o indevassável país que a todos nos espera, nesse exílio universalmente democrático, ou nessa paz insubornável que a todos nos iguala. A vida distribui-se com clamorosas injustiças; é como a renda; mas a morte tem o agudo perfil da justiça para todos. Eis, porém, que encobre desígnios indecifráveis, segundo um calendário que escapa à nossa razão e sobretudo às razões do nosso coração. A morte prematura, quase diria estúpida, de Sylvio de Vasconcellos é a prova desse mistério contra o qual não adianta esfolar a nossa própria cabeça. A esfinge se cala e da morte o único eco que nos chega é o silêncio eterno, inconsútil.

Enquanto refletia sobre estas palavras que tenho o privilégio de escrever no pórtico deste livro, muitas vezes pus-me a pensar em Sylvio de Vasconcellos, desde o recuado instante em que pela primeira vez nos vimos, em Belo Horizonte. Desfrutando de uma memória que ainda não foi atropelada pelos grotescos esbarrões da esclerose, posso reconstituir vários de nossos encontros, ainda quando a convivência entre nós não era regular, frequente ou íntima. A parte deformações sempre bem-vindas que se produzam nos porões de nossa emoção, a memória afetiva jamais se engana. Pois é à memória afetiva que me fala a presença dessa palmeira de gentil-homem que foi em vida e continua em obra a figura de Sylvio de Vasconcellos.

A despeito de nossas conversas de viva voz e de cartas trocadas com um pudor que vinca a nobreza de seu caráter, não sei até hoje de que e por que exatamente foi acusado Sylvio de Vasconcellos, a partir de 1964. Se não estou enganado, ele era então presidente do Automóvel Club de Belo Horizonte. Tinha inestimáveis e notórios serviços prestados a Minas e ao Brasil. Descendia de uma família que se confunde com a história de Minas, na medida em que contribuiu para escrevê-la e interpretá-la. Arquiteto, sua obra no antigo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,

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