de gente senhoril. Retórica, em alguns casos, afetiva, como a das palavras de senhores em anúncios de escravos fugidos, referentes a escravos ou escravas da particular afeição, sexual ou sentimental, da parte de seus senhores. Retórica, em anúncios de escravos à venda ou para aluguel, de persuasão do tipo comercial, com ênfases em virtudes capazes de justificar preços altos solicitados dos compradores. Retórica, por vezes, em que transparece o ressentimento econômico do senhor do escravo desaparecido ante a perda, menos do ente humano, porventura estimado, que do animal de trabalho difícil de ser substituído. Equivalente de animal ou equivalente de máquina.
A análise dessas retóricas diversas, em anúncios relativos a escravos, dos que, em grande número, se encontram nas coleções do Diário de Pernambuco - como, aliás, na do Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro - seria trabalho para linguista a quem não faltasse iniciação noutros aspectos de saber antropológico. É análise das que têm, por vezes, de lidar com sutilezas psicológicas ou com conhecimentos antropológicos, quer quanto a formas de corpo, diferentemente negras ou diversamente africanas, quer quanto a assimilações, por escravos de origem africana, fixados no Brasil, de traços culturais senhoris valorizadores de gente servil. De onde os anúncios relativos a escravos em jornais brasileiros como o Diário de Pernambuco em que surgem, desses africanos, vários trajados à maneira senhoril, penteados a essa maneira, calçados segundo ela, expressando-se em bom português, um deles, por exemplo, caracterizado como "muito político no falar", outro, como "muito ladino" nas maneiras. Grande número, aliás, o de já "ladinos", isto é, integrados na vivência brasileira, em contraste com os chamados "boçais", ainda ignorantes da língua portuguesa e estranhos a estilos brasileiros de vida e a formas já afroeurobrasileiras de cultura.
Precisamente as formas de cultura e os estilos de vida coloridos pela presença africana que motivaram a pioneiríssima iniciativa recifense de um Congresso, reunido no Recife em 1934, de Estudos Afrobrasileiros. Congresso que marcou o início de toda uma revolução mais que intelectual na atitude do brasileiro para com a presença negro-africana na sua formação social; na sua cultura; no seu ethos; nas raízes do que seria uma hoje denominada metarraça; nos motivos que antropologicamente vêm justificando o que se desenvolvia cada vez mais numa consciência brasileira de valor além de estético e eugênico, social e nacional, da morenidade; no valor biossocial oposto à ideia do perigo biológico,