O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX

móveis, livros, trajos, alimentos, bebidas, chapéus, sapatos, charutos, cigarros, rapés, pianos, talheres, gravuras, relógios, músicas, sanguessugas, remédios, imagens de santos, óculos, adornos. Valores que, aparecendo em jornais sob a forma de anúncios, nos permitem, a consideráveis distâncias no tempo, avaliar sua maior ou menor importância para a cultura, a economia, o cotidiano, o lazer, a recreação, a mística de gerações que se sucederam, com diferentes gostos, diferentes preferências, diferentes apetites, dentro de constantes a contrabalançarem tais diferenças. Matéria antropológica contida em sucessivos anúncios de jornal, ou dos mesmos ou de novos artigos, de uso ou de regalo ou referentes a pessoas ou animais. Matéria antropológica da qual se pode dizer que já começou a tomar, no Brasil, pioneiramente, como especialização de estudo ou de indagação antropológica ou sociológica, o caráter de uma possível Anunciologia. E esta, criação, assim sistemática ou assim científica, brasileira.

Essa microantropologia ou microssociologia principiaria por interessar ao antropólogo ou sociólogo especificamente linguista. Pois há por onde sugerir-se, de matéria tão ligada a palavras como inspiradora de imagens, quer descritivas, quer simbólicas, como são os anúncios de jornal, que mereceria a especialíssima atenção de um discípulo de Kenneth Burke que fosse também um adepto de McLuhan: um McLuhan a quem, em recente contato em Paris, aludi ao assunto, tendo ele se interessado pelos estudos brasileiros a esse respeito. Mas seria um discípulo do prof. Burke que, de modo mais específico, poderia, à margem da matéria contida em sucessivos anúncios de jornal num mesmo diário - o Diário de Pernambuco - através de mais de meio século de matéria referente a escravos de origem africana ligados ao sistema patriarcal brasileiro de economia, de sociedade e de cultura - à venda, de aluguel e fugidos - elaborar um estudo de evidente interesse científico-social sobre a retórica - isto mesmo: a retórica característica dessa espécie de anúncios.

Retórica, nuns casos, apenas descritiva e, através da descrição, identificadora de figuras humanas pelos seus traços somáticos e, também, pelos psíquicos; de formas de tórax, de cabeça, de mãos, de pés, de nádegas, de olhos, de narizes, de lábios; e também identificadora de trajos; de adornos, de joias; de tatuagens ou sinais ou cicatrizes relativas a origens tribais ou de caráter místico ou erótico; de cortes de cabelo; de formas de barba; de assimilações por gente servil de característicos culturais - trajo, decoração, objetos de culto religioso ou técnicos, como relógios -

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