Em muitos casos o dever representava enorme sacrifício. Denunciar alguém para uma alma nobre é sempre repugnante, e muitos que depunham eram obrigados a fazê-lo contra parentes e amigos, sob o império da crença religiosa. Para outros, no entanto, era extravasamento de rancores de há muito acumulados, ou inveja que procurava desafogar-se de qualquer modo. Sucediam-se perante a mesa inquisidora os sórdidos diz-que-disse, à procura da perdição dos inimigos. Acontecia, também, partirem muitas denúncias, por vezes as mais impiedosas, de levianos que irrefletidamente comprometiam inocentes. Prevendo a eventualidade, os inquisidores registravam tudo que se lhes diziam, por mais absurdo que fosse, metendo o acusador no torniquete de perguntas infinitas, seguidas mais tarde de indagações sobre a sua pessoa, a fim de aquilatar o valor dos depoimentos. Nas visitações ocorrem amiúde pormenores invocados pelos mesários, quando o depoente descrevia um caso de interesse para o Santo Ofício. O denunciante de Pero Gonçalves era seu íntimo amigo, fazendo, no momento grande esforço de memória para se lembrar do que ouvira anos antes de comparecer à mesa. Narrava que "tendo merendado e bebido meo quartilho de vinho vierão elle testemunha e o ditto Pero Gonçalves a fallar não se lembra sobre que proposito (dizendo-lhe) o ditto... as pallavras seguintes, fornicar, fornicar,