Quebra-quilos. Lutas sociais no outono do Império

linguagem específica através da qual se fizessem ouvir nas suas aspirações e contestações. Em certas áreas, por outro lado, aparecem nomes de certo prestígio social e seria ingênuo não se perceber, espelhados no movimento, os ressentimentos da Questão Religiosa que abalara o País em 1873.

Embora o Quebra-quilos seja, de certa forma, um movimento mudo e hesitante, comparativamente a outros movimentos do século passado e do atual, não se poderia dizer cego, fruto da fúria de assassinos e bandidos. A consciência política é uma aquisição lenta e de algum modo sistemática. Os sediciosos ora estudados pertencem ao inframundo especial dos que não têm nem escrevem livros expondo ideias. Os de maior categoria social são extremamente cautelosos e agem mais como profiteurs, do que como agentes ativos. A ótica com que deve ser observado, portanto, jamais poderá ser a mesma que clareia a análise de grandes revoluções ou revoltas com corpo de doutrinas progressistas ou retrógradas, pouco importa, porém com intenções históricas perfeitamente definidas.

Embora a referência possa ter enfoque universal, não se tenha em vista aqui, como parâmetros, grandes movimentos como a Revolução Francesa ou a Revolução Americana. O paralelismo possível deverá ser nacional.

Ao dizermos que a subversão do Quebra-quilos pertence a uma forma arcaica de rebeldia, limitamos naturalmente o seu modus operandi de reivindicações. O Quebra-quilos é resultado da evolução histórica da economia do Império e seus agentes mais visíveis nem sempre têm noção mais ou menos precisa do que seja o Estado e sua máquina de soldados e policiais, cobradores de impostos, diferenciação de classes, concentração fundiária, comércio, etc...

Repetidamente aparece a palavra criminoso na documentação sobre as agitações que, desorganizadamente, tentaram impedir o funcionamento do Estado, com ou sem reivindicações. Isso nos obriga preliminarmente a distinguir, neste trabalho, o criminoso daquele outro tipo de outlaw que é o bandido social.

A palavra criminoso, usada em relação aos chefes quebra-quilos, pelos seus repressores dos fins do século XIX, nem sempre significará assassino, porém jamais se afasta da noção de delinquente jurídico. Vistos hoje, com a ampla perspectiva que um século de história pode permitir, parecem-nos pobres Robin Hood da caatinga e do sertão, revoltados contra os impostos e as desigualdades que Thomas Morus chamou de conspiração dos ricos.

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