Mihináku: o drama da vida diária em uma aldeia do Alto Xingu

Essa abordagem contratual do tipo "quem deve o que a quem", entretanto, é apenas o começo de uma boa descrição etnográfica. O cientista social americano Erving Goffman ampliou sistematicamente o conceito tradicional de papel, de acordo com as obras de G. H. Mead (1934), Kenneth Burke (1945) e a escola "simbólica interacionista" de psicologia social. Em The Presentantion of Self in Everyday Life (1959), Goffman encara os papéis não apenas como regras e obrigações que ligam os atores, mas como prescrições para atuações reais; elas são o "texto" e a marcação, assim como o contrato para a vida social.

Como seus fac-símiles teatrais, os atores da vida real desempenham seus papéis em um palco espacial cujas características físicas moldam o curso da ação. Nos bastidores, ao preparar sua atuação com o auxílio de companheiros, e ao apresentá-la a um auditório cuja resposta ulterior afeta sua conduta, eles não repetem simplesmente suas falas, mas dramatizam-nas ou comunicam-nas tão bem a ponto de o auditório saber quem são eles no drama. E, mais ainda, o ritmo das entradas e saídas, a indumentária e os complementos e a movimentação dos atores fazem parte do drama tanto quanto as falas do script.

Para ilustrar como um observador dramaturgicamente orientado vai além da perspectiva tradicional que inclui considerações a respeito do cenário e da ação, vejamos brevemente como se dá um encontro entre um médico e seu paciente. Consideremos, por exemplo, que o paciente tem apenas uma visão muito parcial do consultório médico. Os bastidores onde o médico interage informalmente com seus colegas e subordinados, precisam ser mantidos fora do alcance dos pacientes para que o doutor não apresente uma imagem antitética àquela que ele projeta para a plateia.

Para ser considerado bom, o médico precisa proporcionar mais que um tratamento adequado. Ele precisa encenar sua parte, enfatizando seu status por meio de atitudes tranquilizadoras, uma imponente exibição de diplomas e objetos próprios e a presença de enfermeiras imaculadamente vestidas. O arranjo, a indumentária, a aparição periódica de pontas, tudo isso contribui para a necessária encenação.

Uma perspectiva dramatúrgica considera também as implicações do texto para a representação dos papéis. Até que ponto esses papéis são definidos? Será que eles deixam campo para a improvisação quando as falas são ambíguas ou contraditórias? Um médico é, ao mesmo tempo, um profissional desinteressado e um

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