e grande porta da sala de frente, em meio a mobílias antigas de jacarandá e quadros de pintores modernistas. Também presentes na biblioteca, local predileto de trabalho de Gilberto. Vicente do Rego Monteiro e Cícero Dias vez por outra apareciam de Paris, fiéis ao Brasil e às suas lentes de Apipucos. Também Anísio Teixeira lá nunca deixava de ir, ao passar pelo Recife.
Era uma Montanha Mágica aquela, não faltando o toque do próprio Thomas Mann, que, com Gilberto Freyre se correspondera por intermédio de Carlos Lustig de Prean, secretário tcheco do escritor alemão, propondo-se a vir para o Brasil, o que lhe foi negado pelo Estado Novo parafascista, apesar das tentativas de intercessão gilbertiana. Também ele era acusado de "judeu" e "comunista". Na realidade casado com judia, simpatizante das esquerdas o seu irmão Heinrich, Thomas humanista liberal conservador, cuja saga, Os Buddenbrook, decadência hanseática de Lübeck, só podia atrair mais que a atenção, a admiração de Gilberto no Recife em tantos pontos análogo, tanto quanto Thomas Hardy na Inglaterra rural, de longe ecoando dramas idênticos aos dos sobrados e casas-grandes nordestinos. Hardy e Mann repassados por Gilberto entre as grandes influências recebidas por José Lins do Rego, ouvi ambos recordarem isto, mais de uma vez, não só li. Por aí se vê que ambiente era aquele, o de Apipucos.
Numerosas as recordações, impossível rememorar todas. Certas delas muito pessoais, o grande homem visto de perto. Quem vier depois, escreverá biografias menores ou maiores, ninguém daquele círculo desvendando todo seu encanto. Parecido só o de Carl Schmitt entre as colinas do Westerwald perto do Reno; o de Stefan George mais literário da Bingen renana à Minúsio suíça. Destes conheci de perto o schmittiano. Todos algo iniciáticos, círculos concêntricos em torno dos mestres, os aprendizes passando por sucessivos graus de confiança informais, rigorosos do ponto de vista pessoal.
Daí esta biografia, mesmo intelectual, declarar, às vezes sem precisar de citações, um pouco do muito que ouvi pessoalmente de Gilberto Freyre ao longo de quatro décadas. Procurando equilíbrio entre o culto quase de adoração dos amigos - Gilberto sabia exercer fascínio de feiticeiro, como observou Gilberto de Mello Kujawski - e o denegrimento por adversários pessoais, até ideológicos,