PREFÁCIO
Tarefa não muito fácil é a que ora se me impõe. Dar a conhecer, especialmente ao público brasileiro, a pessoa e a obra do grande mestre António Carreira. Quando não por outro motivo, por termos, há alguns meses atrás, planejado exatamente ao contrário: ele faria o prefácio do meu primeiro trabalho de investigação, o qual orientou até a sua morte em abril passado. E não só por isso. A nossa convivência nestes últimos dois anos e meio foi tão intensa que sinto-me excessivamente privilegiada ao falar de qualquer uma de suas obras - por saber em grande parte dos casos, o porquê de determinadas afirmações ou, mesmo, divagações. Daí um esforço grande em tentar uma análise equilibrada (e isto quer dizer não demasiadamente comprometida) dele e das suas publicações, nomeadamente esta que concluiu pouco antes do seu desaparecimento.
E aqui estou eu a prologar (se não me escapa alguma) a sua 75ª publicação!
Sinto-me imerecidamente agraciada e, ao mesmo tempo, honrada em fazê-lo.
Carreira foi um tipo de homem invulgar. De personalidade marcada essencialmente pela irreverência, optou por fazer parte do rol dos investigadores não engajados a qualquer círculo de elites culturais vinculadas a um ou outro tipo de organização. Exemplo de um autodidatismo bastante feliz, construiria toda uma obra à margem das instituições oficiais, às quais nunca se submeteu subservientemente. Impôs-se pelo seu trabalho, e com as que colaborou, foi por terem-no reconhecido como autoridade máxima nos assuntos relacionados a Guiné e Cabo Verde.
Cabo-verdiano de origem, a sua trajetória não foi muito diferente da de outros compatriotas de sua época, destinados a experiências diversas pelos domínios das antigas colônias portuguesas. Era a sina daqueles ilhéus!
Filho de um português, oficial da Marinha Mercante, e de uma cabo-verdiana da Ilha do Fogo, contava com apenas três anos quando a mãe morreu, ficando até os sete aos cuidados da avó, que também faleceu. Foi então que veio para Lisboa viver sob a guarda de uma sua tia paterna. Aqui cursou os seus primeiros anos de escolaridade, e não prosseguiu mais por achar-se compelido a uma nova mudança. O destino, mais uma vez, lhe reservava a partida... Com 11 anos de idade foi morar com um tio materno estabelecido em Guiné, então funcionário de Estado num dos postos