CONCLUSÃO
Nux erketai — (A noite vem).
Entro hoje em meu septuagésimo ano de existência ...
Muito tenho vivido, pois, e muito tenho sofrido, porque muito tenho amado.
Este livro é, ainda, um filho deste muito amor.
Procurei levantar, por um momento, com o sopro da saudade, o pó em que já se converteram muitas das diversas gerações de que tenho feito parte, e que, desaparecendo, antes de mim, me deixaram na situação dolorosa daquele personagem da novela eceana, para o qual o mundo parecia um imenso montão de ruínas, onde sua alma solitária, como um exilado que erra por entre colunas tombadas, gemia sem descontinuar...
Dentro em breve, este punhado de cinza que constitui o meu arcabouço se terá, também, dissipado, como pó impalpável, no turbilhão dos mundos.
Não quis, porém, desaparecer, sem haver contado, aos que me sucederem, o que foram e o que fizeram alguns homens de meu tempo. É bem certo que o fogo vital que, um dia, os animou, sumiu-se sob o aterro dos anos; mas, "como um facho benfazejo, que passa invisivelmente, de mão em mão, de uma para outra época, revive e está presente na chama atual".
Quanto a mim, aproximar-me-ei, serenamente, do descanso supremo, que aí vem, abençoando a vida, que me deu quanto me podia ter dado.
Não me iludo, absolutamente, a respeito do destino reservado a este pobre livro, feito, aliás, com meu sangue, de acordo com o preceito de Nietzsche: "Escreve com sangue, e aprenderás que o sangue é espírito".