Acreditamos que esta edição das Cartas ao Irmão não poderia deixar de destacar as qualidades de Lafayette como jurista e filósofo — e como ensaísta. Vamos, assim, reproduzir uma página de Vindiciae, livro em que reuniu os seus ensaios literários e filosóficos.
Eis o que diz:
É a sociologia uma ciência? Tobias Barreto sustenta que não, o Sr. Romero que sim. Sobre esta questão trava o Sr. Romero com Tobias uma luta que lembra uma dessas batalhas simuladas, a que por mero exercício se entregam os corpos de um mesmo exército.
A sociologia não é ainda uma ciência fundada, mas pode vir a sê-lo dentro de certos limites.
Os atos e fatos que fazem o objetivo da sociologia são atos e fatos humanos e, por consequência, subordinados à vontade e à inteligência.
A liberdade é vária. Não está sujeita a um determinismo absoluto e fatal como os fenômenos da natureza física. É dirigida pela inteligência: sem a inteligência seria um poder cego. Dentro do círculo dos motivos de deliberação que a inteligência sugere, pode ele atuar antes por um do que por outro.
Pode a liberdade entrar em ação sem um motivo inspirado pela inteligência? Não: tal é o testemunho da consciência. Mas entre os motivos fornecidos pela inteligência, ela tem a faculdade de escolher antes uns do que outros. Este poder a subtrai à fatalidade do determinismo.
E não é só isso; a liberdade prefere não raro, dentre os motivos, o menos razoável. Este fato de consciência acha-se traduzido com precisão nas palavras que Ovídio põe na boca de Medeia:
... Video meliora proboque;
Deteriora sequor.
Os grandes poetas são também grandes psicólogos.
Por seu turno, é também vária a inteligência no modo de entender e compreender. As paixões e os interesses a corrompem e lhe tiram a retidão, ou, como se exprime um escritor, a implacabilidade. Exercem sobre ela poderosa influência e educação, o temperamento, o caráter, o meio, as circunstâncias, as ideias dominantes, as superstições do tempo. Todos estes elementos de variação refletem sobre a liberdade, porque ela não atua senão guiada pela inteligência.
Da variação da inteligência e da liberdade resultam duas grandes dificuldades: a de descobrir e formular as leis que praticamente determinam a vontade ou a liberdade, e a de prever pela aplicação dessas leis os atos e fatos humanos.