Cartas ao irmão

temperamento, era mestre nas batalhas regimentais e tinha o privilégio dos lances extremos no embate dos partidos. Ouro Preto ressumbrava um orgulho de grande raça, uma vontade tenaz e um sentimento inflexível da autoridade. Andrade Figueira, na sua bravura selvagem, na rigidez dos seus princípios, era sombrio e taciturno, ouriçado de arestas escabrosas. Estrearam-se por aquele tempo dous moços, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa, que apareciam na Câmara com a sedução e o prestígio de conquistadores. O primeiro, adestrando-se todos os dias na tribuna, para vir a ser mais tarde o vitorioso evangelizador da abolição do escravismo, não perdia azo de relatar as suas impressões da Inglaterra e as suas recentes leituras da Revista de Edimburgo e do Times. O seu busto escultural, o timbre argentino da sua voz, a gentileza das suas maneiras completaram nele um dos nossos oradores mais perfeitos. Rui Barbosa, que logo se mediu com José Bonifácio na discussão do projeto da eleição direta, já denunciava os surtos assombrosos da sua eloquência, predestinado a ser no futuro o gigante da tribuna, sem rival no dom divino da palavra, que ele esculpe no mármore perpétuo e reveste de um suntuoso manto de púrpura.

Na crise política em 1883, "o poder ficou no meio da rua", na pitoresca expressão de Ferreira Viana. Com a queda do gabinete Paranaguá, e em vista da escusa de Saraiva, José Bonifácio e Sousa Dantas, o Imperador convidou Lafayette para organizar o novo ministério. Sabendo-o resolvido a recusar o convite, mandou-lhe dizer que "o país não podia ficar sem governo". Era uma ameaça. Era a sombra dos conservadores que se desenhava no horizonte. Cedeu Lafayette, tomando a seu cargo a pasta da Fazenda, e deixando aos chefes liberais a indicação dos nomes que deviam completar o gabinete. Lidando com os seus alfarrábios, convivendo na intimidade dos clássicos, Lafayette aborrecia a política prática, a clientela dos pretendentes, os enredos e as chicanas do comando partidário. "Nunca dirigiu a política do seu partido, nem a da sua província, nem mesmo a da sua freguesia", notava Ferreira de Araújo nas "Cousas Políticas", da Gazeta de Notícias. No programa, com que se apresentou às Câmaras, colocou Lafayette questão financeira na primeira plana das suas cogitações.

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